Sobre a MP 914/2019 e seus possíveis impactos na (tão sonhada) democracia universitária

Carta Aberta à Frente Parlamentar Mista pela Valorização das Universidades Federais

Por Salete Maria da Silva, professora da Universidade Federal da Bahia- UFBA

Para quem faz parte do mundo acadêmico, seja como docente, discente, técnico-administrativo ou trabalhador/a terceirizado/a, a democracia universitária é muito importante, pois, se compararmos com o corpo humano, seria algo assim como o coração, que tem a função de bombear o sangue e nos ajudar a continuarmos vivos. Ou seja, é algo vital para nossa entrada, permanência, participação, atuação, produção intelectual e para nossa própria relação com o mundo interno e externo às estruturas universitárias. Por isso, é possível afirmar que a democracia na Universidade não é importante apenas para quem está na Academia, mas para a própria sociedade que a sustenta, através dos impostos, e em face de quem devemos não apenas o retorno necessário em termos de “educação de qualidade”, de “descobertas científicas” ou “análise da realidade”, mas um diálogo franco, aberto e, sobretudo, honesto sobre o que pensamos, o que vivenciamos no cotidiano institucional e o que desejamos construir em termos de gestão e de relações democráticas, isto é, sobre o sonho e a luta que historicamente travamos para “democratizar a democracia” dentro e fora das Universidades. Eis porque a democracia, para nós, é sumamente importante, para que possamos seguir existindo, convivendo, produzindo e nutrindo, a nós e ao mundo, de conhecimentos transformadores, de produtos úteis, de relações e expressões teóricas e artísticas necessárias à comunidade em geral, todas elaboradas, de modo coletivo, neste profícuo ambiente científico e cultural que é a Universidade, mormente as federais.

Assim, defender a democracia no seio da sociedade em geral, e a democracia universitária, em particular, é dever de qualquer pessoa ou grupo social que compreenda a importância do seu direito de participar, de opinar, de decidir e de incidir politicamente sobre toda e qualquer decisão em todas as instâncias de poder, afinal, sem democracia, inclusive universitária, não há sequer possibilidade de se expressar, como estou fazendo neste texto, e muito menos de lutar a favor de direitos humanos, como o direito à educação e ao acesso à ciência, por exemplo.

Diante do exposto, quero antecipar que esta reflexão não é sobre os fundamentos teóricos, filosóficos ou jurídicos do conceito de democracia, que são sumamente importantes, não resta dúvida, mas é sobre sua manifestação (e/ou sua precariedade) na realidade fática das IES, especialmente agora, diante dos eventuais impactos que uma medida provisória como a 914/2019 (editada pelo presidente Bolsonaro em 24 de dezembro), pode provocar. Por isso, como docente, mas sobretudo como cidadã, reservei um tempinho para ler e interpretar a referida medida, e acabei meditando bastante sobre ela, o que me levou a elaborar algumas reflexões que apresento por meio desta que, assim espero, possa servir de Carta Aberta às autoridades e aos parlamentares preocupados/as com este assunto. Por isso, e em que pese a minha posição de pessoa crítica a este governo, que torce para que a MP não prospere, desejo contribuir para o entendimento do seu conteúdo e também para, quem sabe, construir algo melhor, sem negar a necessidade de mudança nas regras que dizem respeito às escolhas dos dirigentes das Universidades. Então vamos lá.

Antes que mais, quero registrar que o meu interesse pela democracia universitária não é algo recente ou decorrente dos debates em torno da medida provisória acima mencionada. Muito ao contrário, pois em 2020 estarei completando 22 anos de docência universitária (15 deles como professora de Direito Constitucional e 7 como docente do campo dos estudos feministas, mormente em sua interface com o Direito e as Políticas Públicas para a igualdade de gênero), sendo que, ao longo de todo este período, sempre me preocupei e SEMPRE QUESTIONEI a frágil (e, para alguns, pseudo) democracia vivenciada no cotidiano das universidades brasileiras, conforme testemunhei e experimentei por anos a fio, tanto na esfera estadual como federal, seja como estudante ou como professora que sempre se somou (e segue se somando) aos movimentos e lutas em prol do alargamento da cidadania e da democracia real, concreta, viva e pulsante dentro e fora das IES.

Por isso, desejo registrar que as mais recentes oportunidades em que coloquei estas questões em debate foi justamente durante a última eleição para reitoria da UFBA, quando o JusFemina (grupo do qual faço parte), realizou (em parceria com o grupo Gira), um debate acerca da democrática universitária em perspectiva de gênero, além de uma participação minha no último debate da chapa única em que pontuei a minha dificuldade de encarar aquele “consenso” como algo efetivamente democrático e diante do que fui duramente criticada, inclusive pelos postulantes ao cargo máximo da IES. Merece registro, ainda, que o Coletivo Luiza Bairros também lançou uma nota propondo reflexões sobre o pleito in casu e as questões de raça e políticas de cotas, mas fora isso, não vi nenhuma outra reflexão acerca desta temática na IES, nem da parte das entidades estudantis ou sindicais, enfim. Mas este, como costumam dizer, “é um assunto interno”, só que a gente não pode deixar de considerar.

Quero destacar, também, que compartilho da ideia de que não é somente durante as eleições das IES que o debate sobre democracia deve ser objeto de discussão, pois esta precisa ser uma reflexão diária, já que a universidade, como o próprio nome diz, é um universo, quer dizer, é um espaço de pluralidade, de diversidade, de disputa de ideias e de conceitos, além de relações, geralmente assimétricas e desiguais, seja em termos de raça, de gênero, de classe, etc, tal como acontece na sociedade de um modo geral. Por isto, a tão sonhada democracia universitária tem que ser objeto de discussão permanente, tem que estar na ordem do dia, cotidianamente, e não somente quando um presidente lança uma medida provisória cujo teor deve, sim, ser discutido, criticado e explorado, mas por todas as vozes e não somente pelas cúpulas que, de modo imediato, se antecipam e lançam suas impressões “autorizadas” nos espaços em que tem grande audiência e inserção, dado os privilégios dos cargos. E digo “imediatamente” porque sequer se debruçaram, de forma aprofundada, sobre todo o conteúdo da Medida, apressando-se em dizer que se trata de um atentando à autonomia universitária, às decisões dos conselhos superiores, etc para, ato contínuo, repetirem o que nós já dizíamos quando Dilma adotou, por exemplo, as duas medidas provisórias destinadas a restringir o acesso ao seguro desemprego e dar fim à vitaliciedade da pensão das viúvas, MP 664 e MP 665, sobre as quais muita gente boa guardou silêncio e seguiu a vida em paz. No entanto, já adianto que num aspecto concordamos (e hoje mais do que nunca!), qual seja: que medida provisória não deve ser estratégia que governos democráticos devam usar para alterar regras e ferir garantias sobre temas que merecem amplo e aprofundado debate e reflexão, principalmente, com as pessoas diretamente atingidas e/ou interessadas.

Em face disto, e visando alimentar o debate, além de demonstrar que todas/os nós, sobretudo “simples docentes”, também podemos colaborar com a crítica, assim como com o aprimoramento de propostas e/ou construção de outras que podem ser objeto de reflexões nas IES e no Parlamento, farei algumas pontuações sobre a MP 914/2019 que, a meu sentir, tem aspectos bastante NEGATIVOS e problemáticos, mas também tem aspectos POSITIVOS que merecem ser objeto de ampla discussão, caso venha a ser submetida à apreciação parlamentar (antes de convertida ou não em LEI), mas também no Judiciário, se a hipótese da arguição de inconstitucionalidade vingar. Mas, repito, é por amor ao debate, e também porque sempre analisei, de modo criterioso e detalhado, outras MPs apresentadas por outros governos de direita, de esquerda ou mesmo de centro, que passo a me posicionar nos termos a seguir:

ASPECTOS NEGATIVOS

1) Trata-se de uma medida proposta pelo governo Bolsonaro e este é um aspecto que não se pode ignorar, até porque estamos diante de um político cuja trajetória é absolutamente vergonhosa e cujas iniciativas merecem ser ainda mais fortemente monitoradas, questionadas e, onde e quando couber, abortadas, judicial e/ou politicamente, uma vez que se elegeu sem demonstrar qualquer compromisso para com o alargamento da democracia ou com o respeito aos direitos humanos. Apesar disto, vale uma OBSERVAÇÃO: pois diante da complexidade do jogo político e da elevada (e deletéria) polarização entre direita e esquerda, ou melhor, entre Petismo e Bolsonarismo, é possível (conforme já aconteceu com medidas adotadas por outros presidentes), que ao desejar atingir uma parede com a qual está a se digladiar, este também ajude, de forma direta ou indireta, a derrubar alguns muros que separam ou silenciam, historicamente, algumas vozes dissonantes, sobretudo no contexto desta “terra de doutores e magníficos reitores”, onde, como bem disse Belchior, “leva-se a sério a comédia”.

2) Ademais, trata-se de uma Medida Provisória, cujo caráter é, a princípio, antidemocrático, haja vista que entra em vigor imediatamente após a sua edição e tem sido utilizada de maneira equivocada e oportunista por todos os presidentes (desde a reabertura democrática) para tratar das mais variadas matérias, sem se preocupar em dialogar previamente com o Parlamento ou com a sociedade, sobretudo, com os sujeitos que mais serão afetados por elas. Mas cabe uma OBSERVAÇÃO: conforme já exemplifiquei acima, foi através das MP 664 e 665 que o governo Dilma/Temer, por exemplo, deflagrou o ajuste fiscal que visava garantir a governabilidade às custas dos direitos previdenciários e trabalhistas arduamente conquistados. Por isso, é preciso evitar a seletividade, pois pessoas seletivas na indignação perdem sua credibilidade.

3) Cancela a possibilidade de haver paridade entre o eleitorado acadêmico, já que determina que votos de docentes valem mais que votos de estudantes e do corpo técnico, conforme o parágrafo 1º do artigo 3º, que prevê peso de 70% dos votos para docentes e 15% para discente e 15% para técnico. OBSERVAÇÃO: este é um aspecto que traduz um flagrante retrocesso, pois, desde há muito, já vem acontecendo “consultas” em algumas IES de modo paritário, e muitas outras já se aproximam da paridade, ou seja, este item precisa ser absolutamente combatido, haja vista que de democrático não tem absolutamente nada.

4) Visa concentrar mais poder nas mãos do reitorado, já que permite que o/a reitor/a decida, autocraticamente, quem serão os diretores de campus e de unidade acadêmica, além de ser responsável por escolher o seu/sua vice, que não fará parte da chapa, mas será agregado/a, posteriormente, a exemplo dos “cargos de confiança”, conforme o parágrafo 2º do artigo 6º e o caput do artigo 9º. OBSERVAÇÃO: É óbvio que isto é absurdo e indefensável. Afinal, esta previsão do reitor poder escolher diretor de campus e de unidade é um disparate autoritário inquestionável, apesar de sabermos que o modo como estes diretores tem sido escolhidos na atualidade também não traduz a democracia que queremos, uma vez que há muita “(re)eleição” como chapa única e muita disputa que incorpora o que há de pior da política partidária. Além disto, em algumas localidades, até estudante de ensino fundamental já está elegendo a direção da sua escola, como isto não seria possível na Universidade?

5) Retira do “parlamento universitário” [isto é, do Consuni] a decisão sobre o modus operandi da sucessão eleitoral. OBSERVAÇÃO: Isto é algo a se pensar bastante, mas por enquanto eu coloco entre os aspectos negativos porque, a priori, é uma das mais profundas alterações que a MP propõe e, de fato, está soando como uma violação da autonomia universitária, porém, é aqui onde reside um convite ao aprofundamento das reflexões com vistas a tentar aprimorar a democracia interna, pois, a depender da IES, é exatamente no Consuni onde acontece a legitimação de chapas laranjas que comporão a lista tríplice que tem sido enviada para o MEC. Portanto, em vez se somente reclamar e criticar a MP, a comunidade acadêmica, sobretudo os grupos que lutam permanentemente pelo poder, precisa se observar, fazer um exame minucioso de como tem operado nestes espaços de cúpula cujas decisões precisam, sim, ser mais transparentes, mais abertas e com mais canais de diálogo, além de ser urgente uma maior pluralidade de ideias nestas instâncias decisórias.

ASPECTOS POSITIVOS

1) Oficializa a obrigatoriedade da eleição DIRETA para reitor das IES e dos IFs com vista à elaboração de lista tríplice a ser enviada ao MEC e posterior nomeação do/a futuro/a dirigente dentre os/as mais votados/as, eis o que dizem os artigos 2º e 3º da MP. OBSERVAÇÃO: É preciso admitir que antes da MP era feita apenas uma “consulta” (quase informal) à comunidade acadêmica, muitas vezes sem norma explícita e/ou cogente e variável de IES para IES, não obstante haja legislação disciplinando a matéria desde 1995. Após o resultado desta consulta, o Consuni (instância máxima da IES) preparava uma lista tríplice na qual até mesmo quem não foi candidato/a, não apresentou propostas e não se submeteu ao escrutínio da comunidade acadêmica poderia constar, isto é, a chamada “chapa laranja” era naturalizada dentro das IES, no Consuni, onde muitas injustiças eram legitimadas até por quem defendia mais democracia universitária no bojo da própria campanha eleitoral. Sem contar que esta lista ia com nomes de pessoas do mesmo grupo político (inclusive partidário) e com possibilidades de renúncia e/ou recusa de eventual nomeação se esta não recaísse na pessoa mais votada, dentre outros acordos indefensáveis. Ademais, no caso de Universidades como, por exemplo, a UNILAB, que tem reitor pro tempore (eu diria, interventor!) desde que foi instalada em 2011, ter uma norma que OBRIGUE uma eleição é algo absolutamente necessário e alvissareiro, pois a única consulta que foi realizada naquela IES nunca teve seu resultado reconhecido e/ou encaminhado para o MEC, e a consulta se deu em pleno governo da presidenta Dilma (pasmem!).

2) Põe FIM à reeleição. Ou seja, a pessoa que esteja cumprindo mandato ou que substituiu o titular por mais de um ano, não poderá ser reconduzida ao cargo em período sucessivo. É o que diz o parágrafo único do artigo 4º. OBSERVAÇÃO: acredito que esta proposição permite oxigenar a gestão superior, democratizando cada vez mais, já que outras pessoas e, de preferência, outros projetos podem ser experimentados e testados pela comunidade universitária, acabando com os currais e o continuísmo ad eternum. Ademais, eu creio que o fim da reeleição não somente traduz a tradição republicana de transitoriedade nos cargos, como também está em consonância com a diversidade sociocultural e até mesmo étnica ou ideológica da universidade. Trata-se de uma perspectiva que sempre acompanhou as esquerdas em suas reflexões sobre democracia e sobre cargos majoritários.

3) Institui um colégio eleitoral especificamente para este fim, isto é, as pessoas responsáveis pela realização da consulta/eleição e pelo anúncio do resultado, que será obtido mediante a soma dos votos, desempenharão uma função ad hoc (isto é, para o este caso apenas). Ou seja, não devem interferir na constituição da lista porque esta deve ser gerada de modo automático, sem construção de “acordos” ou exclusão de participantes no pleito. É o que depreendo da leitura do artigo 3º. OBSERVAÇÃO: Considero que este ponto está relacionado não apenas com a autonomia das IES, mas com a própria democracia interna e outras formas de realização do pleito, pois a criação de um colégio eleitoral “exclusivo” pode até permitir que o funcionamento do Consuni siga fluindo durante o pleito e que este se sinta ainda mais à vontade para acompanhar, fiscalizar, monitorar e cobrar o cumprimento das promessas de campanha feitas pelo reitor ou reitora eleita/nomeada, já que operaria como um Parlamento e não como a “justiça eleitoral” da IES. É algo a ser pensado e debatido amplamente caso a MP de fato seja submetida e à votação no Parlamento Nacional.

4) Obriga que os/as candidatos/as se afastem dos cargos comissionados ou das funções de confiança a partir da homologação de suas candidaturas. Ademais, tal afastamento se dará sem remuneração, eis o que diz o artigo 5º. OBSERVAÇÃO: Considero justíssimo. Até porque, no caso da UFBA, no pleito de 2014, por exemplo, haviam 4 candidatos, sendo que dois deles eram pró-reitores e seguiram em suas funções o que, por si só, já é um privilégio frente aos demais candidatos, pois gera possibilidades de favorecimento a apoiadores, tanto antes, como durante e após o pleito. Vale pontuar, ainda, que a mencionada campanha foi uma das que mais ostentou material de alta qualidade, que seguramente não era barato, tais como: adesivos, camisetas, faixas, panfletos, etc….Enfim, foi uma campanha no estilo “a cara da riqueza”, excetuando-se a de um único candidato que além de apresentar as melhores propostas (a meu ver, é claro), não teve as mesmas oportunidades de circulação de ideias, nem os mais amplos apoios e, por estas e outras razoes, tampouco foi eleito.

5) Determina que as eleições sejam realizadas, preferencialmente, por urnas eletrônicas, eis o que dizem os artigos 3º, inciso I, e o artigo 10. OBSERVAÇÃO: Acho que ninguém vai se opor a uma consulta eletrônica, pois, a exemplo das demais eleições, inclusive de entidades de classe como a OAB, a rapidez na realização do pleito e a segurança que este oferece é algo que beneficia a todos, candidatos e comunidade, sem exceção. E sendo este um item que dependerá de regulamentação específica, certamente poderá atribuir ao Colégio eleitoral exclusivo as funções concernentes ao bom e fiel funcionamento dos pleitos, com direito a plena e eficaz fiscalização por parte das pessoas interessadas.

Enfim, como se pode perceber, a famigerada MP 914/2019 tem servido, pelo menos, para fazer circular o debate sobre democracia universitária, para além dos períodos de consultas nas IES e para além das instâncias deliberativas e seus membros internos. Ademais, demonstra que nem todo mundo precisa rechaçar, a priori, qualquer possibilidade de mudança nas regras referentes às escolhas dos dirigentes das Universidades e Institutos Federais, não obstante possamos lamentar que esta iniciativa tenha partido justamente do governo de Bolsonaro e venha através de um instrumento como uma Medida Provisório que, por si só, merece todas as críticas em virtude de não atender os requisitos constitucionais de emergência e relevância que justifiquem sua utilização.

Apesar disto, torço para que a mesma NÃO prospere, mas que abra uma discussão dentro e fora das IES, especialmente no seio da Frente Parlamentar Mista pela Valorização das Universidades Federais, e resulte, preferencialmente, num projeto de lei que aprimore a democracia universitária, uma vez que a questão é mais complexa do que se pensa e, por isso mesmo, é preciso haver discussão e ampla demonstração das insatisfações internas, pois se esta medida deve realmente ser rechaçada isto não quer dizer que não haja pontos que merecem ser objeto de debate e até de adoção, porém mediante projeto de lei específico, uma vez que onde e quando se fala em democracia universitária não se pode olvidar das críticas, dos anseios e, sobretudo, das possiblidades de contribuições das vozes historicamente silenciadas e/ou isoladas dentro das IES.

Sendo assim, acredito que não basta apenas lançar um nota e/ou vir a público se dizendo contra, até porque, nem tudo que os governos ditos de direita produziram foi de todo ruim segundo a ótica da esquerda, e tampouco foi jogado fora de modo definitivo, sem maiores reflexões, como por exemplo, a própria atuação da esquerda diante da Emenda Constitucional da Reeleição, proposta por FHC em 1997, contra a qual todos nós nos colocamos e posteriormente não somente foi utilizada (e usufruída) pelos governos petistas como até se chegou a ventilar a possiblidade de uma outra emenda que garantisse um terceiro mantado consecutivo para Lula. Quem não lembra? Ou seja, é preciso admitir que já houve situações em que algumas propostas da direita foram acolhidas e desfrutadas pela esquerda eleitoreira quando, na verdade, deveriam ser combatidas e/ou transformadas. Eu, por exemplo, sigo contra reeleição, inclusive para reitoria, até os dias atuais.

Mas, o que importa é que, neste momento, estamos diante de um bom debate sobre o tema e, por isso, faço um apelo aos e às parlamentares que por ventura venham a apreciar tal Medida: por favor, não apenas busquem derrotá-la politicamente, mas apresentem propostas capazes de dialogar com a comunidade acadêmica, capazes de refletir os anseios de todos os que fazem parte das IES, contribuam para que nem a vontade de um presidente antidemocrático prevaleça e nem o desejo dos grupos hegemônicos que se encastelaram no poder das IES e que, em nome de todas e todas, querem escamotear esta pauta, inclusive desqualificando quem ousar enfatizar a sua importância, atribuindo-lhes a pecha de bolsonaristas quando, na verdade, o que desejamos é evitar que as IES sejam uma mera caixa de ressonância do que acontece na política partidária mais geral, onde quem não faz parte de nenhum dos grupos que historicamente se digladiam pelo poder são isolados ou demonizados por ambas as partes. Ajudem-nos a construir um diálogo em que as pessoas que divergem do presidente e/ou das hegemonias universitárias também possam participar e opinar sem nenhum temor ou risco de qualquer ordem, conforme deve ser numa verdadeira e legítima DEMOCRACIA UNIVERSITÁRIA.

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