Transcrição das Videoaulas – Teorias Feministas e Lesbianidades (2020)
Vídeo de Acolhimento (Raíssa Lé)
[Abertura do vídeo com música em Francês de Ariane Moffat – Debout]
Felipe Fernandes: Bem vindas todas as cursistas do Componente Teorias Feministas e Lesbianidades. Aqui do meu lado, Raíssa Lé. Aqui embaixo, Bárbara Alves. Elas vão se apresentar… Nós estamos iniciando o nosso curso no dia três de agosto e ele vai até o dia seis de dezembro. Com a entrega do trabalho final no dia dezoito de dezembro. A gente começa então um pouquinho antes do semestre suplementar da UFBA, mas eu conversei com a diretora da SUPAC, a Nancy Vieira, ela disse que não tem problema nenhum, que alunas e alunos que quiserem validar esses créditos basta abrirem um processo individual lá na SUPAC então tá tudo tranquilo. Temos muita gente fora da UFBA cursando conosco: aluna de graduação, alunos de graduação, pró-reitores e pró-reitoras de ações afirmativas, então vai ser um momento muito bacana para a gente dialogar e aprender junto. Só falando um pouquinho da dinâmica do curso antes da gente se apresentar. O curso ele acontece com aulas semanais, ou seja, na segunda-feira de manhã, a partir do dia três de agosto, a gente abre uma aula e vocês têm até domingo para cumprir as atividades daquela aula, e… claro! Cumprir as atividades envolve assistir uma aula, ler um texto e fazer um exercício de escrita. Com o exercício de escrita a gente vai computar a presença de vocês, mas não basta apenas o exercício de escrita, têm que interagir com pelo menos duas colegas. Então vou me apresentar: eu sou professor Felipe Fernandes do Bacharelado de Estudos de Gênero e Diversidade da UFBA, eu sou responsável pelo componente de gênero e sexualidades há 3 anos e meio com essa pessoa que tá aqui embaixo, se eu não me engano, a Bárbara Alves, a gente coordena o Pensamento Lésbico Contemporâneo, agora integrando a equipe de coordenação conosco, a Raíssa Lé, e vai ser a responsável, pelo curso Pensamento Lésbico Contemporâneo 3, em 2021, e ela tá com um foco super interessante na América Latina, então se preparem porque ano que vem tem o Pensamento Lésbico Contemporâneo 3ª edição. Lembrando que esse curso, Teorias Feministas e Lesbianidades ele é um curso sobre o pensamento lésbico, tem a biblioteca lésbica que vocês já podem ler à vontade, entretanto, ele é muito focado em políticas, direitos, e vai tratar sobre vários assuntos. Só vou ler um pouquinho os assuntos que nós já separamos: nós vamos começar a nossa aula dia três a oito, não, três a nove de agosto de 2020, com a aula Teorias Feministas e Lesbianidade, vai ser aberta aí pela professora Miriam Grossi, atual presidente da ANPOCS. Depois nós temos na aula 2 Epistemologias Negras e Lésbicas, na aula 3 Feminismos Decoloniais, na aula 4 Deficiências e Lesbianidades. Depois nós vamos discutir o clássico livro “O Lesbianismo no Brasil” com o professor Luiz Mott, nós vamos ter uma super aula com uma egressa do curso – vocês vão amar – sobre a Imprensa Lésbica no Brasil. Teremos também uma aula sobre Direitos Humanos de Mulheres Lésbicas, teremos uma aula sobre Maternidades Lésbicas, depois com a presidenta da ABEH, a professora Bruna Irineu teremos uma aula sobre A Crítica Lesbofálica e o Conselho Popular LGBT, e assim por diante, até chegarmos em dezembro. O trabalho final, para deixar já evidenciado aqui, o trabalho final vai ser o ensaio biográfico de uma lésbica do seu estado, ou do estado de sua residência, e vocês que escolhem quem é essa lésbica que vocês querem biografar. Pode ser uma lésbica de antigamente, pode ser uma lésbica atual, o importante é que ela tenha alguma relevância em qualquer campo de atuação. Esse ensaio deve ter de 8 a 10 páginas, e para quem quiser validar os créditos como disciplina da graduação ou da pós, é importante articular bibliografia do curso. Esse ensaio ele vai ter que ser postado até o dia dezoito de dezembro, então passo a palavra para se apresentar para a nossa queridíssima Raissa Lé que vai me acompanhar aí como professora monitora desse curso.
Raíssa: Olá, gente, bom dia, boa tarde, ou boa noite, não sei quando vocês vão acessar esse vídeo, mas queria desejar a todas e a todos as boas-vindas aqui, acho que a gente vai ter uns meses aí pela frente muito interessantes. Como o professor Felipe já me apresentou, meu nome é Raíssa, eu sou orientanda dele, sou mestranda do Programa de Pós-Graduação do NEIM, da UFBA, e eu vou estar acompanhando vocês, as discussões também, as videoaulas, e os textos do nosso curso, então precisando de qualquer coisa estou à disposição, podem chamar!
Felipe: Isso que a Raíssa falou é super importante, porque nós temos aí nesse “topicozinho” de interação o fórum de diálogo com a coordenação do curso, nesse fórum de diálogo – Bárbara tá fazendo um barulhinho -, nesse fórum de coordenação, de diálogo com coordenação, vocês trazem todas as dúvidas relacionadas à gestão do curso em si, certificado, presença, validação, isso é lá nesse fórum. Nós temos um fórum lá em cima, esse fórum é livre, onde vocês podem postar o que quiserem, divulgar evento, debates, etc. Lembrando que nós temos também a biblioteca lésbica e a gente criou o fórum, essa biblioteca ela tem as autoras de referência do pensamento lésbico que a gente estudou no PLC 1 e no PLC 2, e mais que a gente não vai estudar elas especificamente porque estamos priorizando autoras brasileiras nessa edição do curso, mas quem quiser estudar essas basta criar um fórum com o nome da autora. Todos os textos estão disponibilizados lá, então a gente pede bastante autonomia, cooperação e colaboração umas com as outras, uns com os outros. Só lembrando que esse é um curso misto, nós temos meninas, meninos, mulheres, homens, homens trans, mulheres trans, nós temos aí uma diversidade bem grande visto que boa parte das pessoas vão se formar na lista de políticas públicas de gênero e diversidade. Isso quer dizer o quê? Que esse curso, ele busca sensibilizar futuras gestoras de políticas públicas para as questões lésbicas, claro a grande maioria são mulheres lésbicas, e eu tenho certeza que todas e todos vão aprender bastante, então passo a palavra para Bárbara Alves que vai se apresentar aí falar um pouquinho das expectativas dela com esse curso.
Bárbara: Olá. espero que todas, todos e todes estejam bem, sou Bárbara Alves pesquisadora voluntária do grupo de pesquisa GIRA, estou como uma das tutoras nesta disciplina e venho aqui dizer que espero que seja uma experiência bem positiva para todos e para todas nós. A minha expectativa é que a gente faça a disciplina dentro da forma mais engajada possível, porque o tema e as discussões merecem, e porque nós estamos no momento que precisamos nos empoderar e nos instrumentalizar para a gente continuar na luta. Eu sou ativista e uma liderança lésbica, estou como coordenadora do Pensamento Lésbico Contemporâneo e estou aqui com tutora para, dentro dos meus limites, contribuir com todas.
Felipe: Gente, só uma coisa super legal, acabou de entrar aqui no nosso vídeo, nós estamos gravando o vídeo, viu, Daiane? Daiane Oliveira, que é do BI de Artes, nós estamos gravando um vídeo de boas-vindas às cursistas do componente Teorias Feministas e Lesbianidades, então as pessoas estão se apresentando e falando um pouco das expectativas que elas têm com o curso, você gostaria de dar uma palavrinha, Daiane, de boas-vindas para nossas alunas, para as nossas cursistas? À vontade.
Daiane: Muito obrigada, olá todo mundo! Saudação a todas, imagino que a maioria do curso vai ser realmente de mulheres, e é uma grande expectativa estar no curso. Eu sou Daiane Oliveira, pessoal, me apresentando com nome e sobrenome como a Lélia González ensina, e é extremamente importante a gente pensar em teorias feministas e pensar em lesbianidades. O brasil ainda está no momento de entender ainda o que… entender no sentido de não marginalizar ou não apenas jogar fora as teorias, porque tem muito desse processo ainda, exatamente pelos atravessamento do racismo que passa nas teorias feministas então ainda tem muita coisa que a gente precisa ler, entender, aprender. Eu sou uma grande fã da Audre Lorde, inclusive estou com o livro dela aqui que chegou esses dias e eu conheci mais profundamente a Audre Lorde no Pensamento Lésbico Contemporâneo, e… eu acho que todas as mulheres no mundo precisa conhecer Audre Lorde e agora eu também amplio para todas as pessoas, até porque ela não deve ficar restringida apenas ao feminino, apenas às mulheres, exatamente pelo lado da gente estar lutando contra o sexismo, contra o machismo, a gente precisa também ter apoio… Então acredito que o curso vai ampliar o pensamento de todas, todos, de uma forma muito geral e vai fazer com que a gente consiga refletir até para a práxis na vida. E, eu não me apresentei de formação, eu sou jornalista de formação, conclui a comunicação social com habilitação em Jornalismo, em 2012, e eu trabalho com Marketing Digital desde lá, e também com comunicação anti-racista, faço parte de um portal chamado Notícia Preta e é de jornalistas anti-racistas. Eu percebo, a partir do pensamento lésbico, eu percebi, na verdade, como os meus gostos mudaram. Na verdade, para séries, para leitura, e é algo muito natural de prática de vida. N ão é que a pessoa se tornou “a gente, agora sou feminista eu sou..”, sabe? “Eu vou assumir a teoria lésbica”, não é isso. Você começa a perceber e se assimilar, você começa a ver na sua prática, na práxis em si, tudo o que você estuda. Isso é fantástico, ontem eu terminei de maratonar “House of Cards”, eu disse “Gente, que legal essa última temporada!” aí eu me perguntei: “Por que eu gostei mais da última temporada? Ah, porque tinha uma mulher no comando”, sabe? E tinha alguns debates, algumas questões que a gente geralmente faz na vida, e isso é legal porque você acaba aplicando na sua vida tudo que você aprende academicamente, e é assim que a gente faz uma educação transformadora que a gente muda o mundo. É isso, eu espero muita coisa desse curso, eu acho que todo mundo vai gostar também dele.
Felipe: Muito obrigado Daiane, então temos aí parte da equipe, lembrando que não está aqui conosco para a gravação desse vídeo inicial o Dhan Tripodi, ele é uma grande liderança também dos movimentos sociais aqui em Salvador, na Bahia, no Brasil, ele é o líder do coletivo de homens transexuais; Temos também o Igor Leonardo Santana Torres que é um estudante de Teoria Queer, vai se graduar agora no Bacharelado de Gênero e Diversidade. Então toda essa equipe que vocês estão vendo aí, está à disposição de vocês para dialogar, mas acima de tudo, eu quero que saibam que o princípio desse curso, acima de tudo, é aprender juntas, aprender juntos, nós estamos aqui na posição de equipe, de coordenação, de tutoria, mas no final das contas a gente tá aprendendo junto com vocês. E uma questão que eu gostaria de pedir também, não sei se Bárbara, Daiane e Raíssa concordam comigo, mas pedir que o diálogo no Moodle seja um diálogo respeitoso, que sejam valorizadas as posições de todas e todos, a gente colocou ali no contrato pedagógico muitas pessoas que estão vindo para o curso, estão tendo contato pela primeira vez com debate sobre a sexualidade, muitas vezes trazem concepções muito próprias dos seus contextos, então a gente tem um pouquinho, sempre, quem tiver aí no nível mais alto da escadinha do conhecimento em sexualidade, ter paciência com quem tiver num nível um pouquinho mais abaixo, então, colocar de fato aquela consigna: “ninguém solta a mão de ninguém”. Nós não queremos só dizê-la, nós queremos praticá-la, então se a gente tiver alguém com menos paciência, a gente chamar atenção falar “ah não, vamos ver em que ponto aquela pessoa tá”. Mas no final das contas é um curso de aprendizado, a gente tá aqui para aprender e eu peço então aí para a gente fechar o nosso vídeo de acolhimento, que cada uma de vocês faça mais uma rodada, e eu já encerrei a minha fala.
Raíssa: É isso, eu estou bastante animada com esse curso, acho que vai ser muito enriquecedor para todas nós, inclusive para mim também, e acho que uma das coisas mais legais dessa modalidade de curso através do Moodle é que a gente pode interagir umas com as outras, criar redes, se conhecer, isso é muito legal para a gente saber quem somos, quem é a outra pessoa que tá do outro lado. Por isso que também é muito muito importante que a gente interaja nos fóruns de discussões, que a gente discuta sempre a partir do lugar do respeito, e considerando a fala da outra pessoa… mas é isso, acho que vai ser uma experiência muito legal para todas nós e estou bastante animada!
Bárbara: Oi, espero que possamos trocar experiência, trocar aprendizado, e nessa linha a gente possa realmente transformar nossa realidade, tanto dentro da nossa vida, como na academia. Essa academia que a gente entra, mas a gente entra não para reproduzir, mas para a gente se empoderar e continuar a luta e transformar a vida das pessoas, não só dos LGBT, não só dos homens, das mulheres, mas de toda a sociedade. Eu sou Bárbara Alves, como lhe falei, sou formada em Administração, tenho especialização em Relações Públicas e vamos contribuir da melhor forma, tenho certeza! Obrigada!
Daiane: Eu gostei muito da fala de Felipe, pessoal, sobre a lógica do respeito porque a gente está em um momento difícil. Para começar, o momento de pandemia já é um momento difícil. Estudar as práticas feministas e de lesbianidades também é difícil, a gente sempre começa falando que estudar gênero e sexualidade é tirar um bandeide de uma ferida, ainda mais quando você percebe que, de certa forma, você vai ser sempre oprimido na sociedade, então a gente precisa de acolhimento, a gente precisa de carinho. Algumas leituras não vão ser fáceis, a gente não vai enganar vocês, algumas leituras são dolorosas até quando a gente se coloca nessa posição. Então a gente precisa desse afeto, e não necessariamente você vai concordar com aquela pessoa que tá com um pensamento talvez um pouco mais “atrasado”, eu vou dizer assim, um pouco mais complicado, atravessado, do que o seu, mas não é questão de concordar é questão de respeitar. É ter afeto na hora de falar, é pensar assim: “poxa, será que eu deveria me posicionar dessa forma ou poderia ser mais tranquila nessa fala?” Se eu estou nesse momento sentindo raiva do mundo eu não vou atacar essa pessoa, vou esperar um pouquinho comentar em outro momento ou trocar telefone, quem sabe, criar um outro vínculo de amizade, porque é muito mais diverso, e entender essa diversidade, entender essa lógica de respeito, é tudo que a gente precisa exatamente para combater aqueles que estão atacando a gente, que está em uma outra categoria. Não vai ser a gente que vai estudar isso e que vai se atacar, né? Então essa lógica de respeito eu acho fundamental e, geralmente, os cursos de feminismo tem essa lógica de acolhimento e me sinto muito bem. Tem que ser, um local que a gente se sente bem exatamente para combater tudo que a gente está passando. Então é isso, muito obrigada.
Bárbara: E ela falou na questão do acolhimento, na questão do afeto e eu digo, inclusive, com a questão da ética que é um princípio tanto da vida como da construção acadêmica. Então é claro que pelo menos nós, grupos que estamos indo para academia nessa perspectiva contemporânea, temos que ter esse papel e a essa construção.
Felipe Fernandes: É, lembrando só que uma das grandes autoras lésbicas estadunidenses, a Sarah Schulman, foi uma das “Lesbians Avengers”, não sei se vocês conhecem um pouco do movimento lésbico estadunidense, que na época de Bush, no início dos anos 90, quatro lésbicas invadiram a Casa Branca e mostraram os seios para o presidente. Aquilo foi escândalo nacional, então a Sarah Schulman ela escreveu um livro “Conflito Não é Abuso”, então quando a gente fala muito em ética, respeito e etc., não quer dizer que tem que concordar, pode discordar pode ter bastante dissenso, e pode pensar diferente. O importante é que sem diversidade a gente não enfrenta os problemas do presente, que já está tão difícil com essa conjuntura, com esse governo, com essa pandemia… Então se cuidem, um excelente curso, e nos vemos lá no Moodle onde a gente vai interagir bastante! Obrigado Daiane, obrigado Bárbara, obrigado Raíssa, e um excelente curso para todas e todos nós!
[fim do vídeo]
Aula 01: Teorias Feministas e Lesbianidades (Felipe Fernandes)
[Abertura do vídeo com música em Francês de Ariane Moffat – Debout]
>>FELIPE FERNANDES: Bom! Então estamos aqui para a primeira videoaula do nosso curso sobre Teorias Feministas e Lesbianidades e temos uma presença mais do que ilustre. A nossa grande professora, presidenta da ANPOCS e da Universidade Federal de Santa Catarina, Miriam Grossi. Olá Professora, bem-vinda!
>>MIRIAM GROSSI: Oi Felipe, que prazer estar aqui contigo e com as alunas desse curso!
>>FELIPE FERNANDES: Então professora, essa semana é a primeira do curso e estamos todas e todos muito empolgadas com o início desse semestre suplementar da UFBA. Essa é a aula introdutória do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade. Eu queria que você falasse um pouco sobre o que são “teorias feministas”.
>>MIRIAM GROSSI: Eu acho que para falar sobre “teorias feministas” é sempre importante dizer o que consideramos por essa categoria de “teoria”. É algo que remete a um campo de conhecimento e de produção de conhecimento e que o próprio conceito de “teoria feminista” foi um conceito super inovador e revolucionário na época em que foi formulado. Que foi mais ou menos a partir dos anos 1980 do século passado, que vai se pensar nessa categoria de “teoria feminista” e, digamos, como uma forma de dar corpo e sentido a uma série de estudos que se faziam até então, que inicialmente se chamavam de estudos sobre a “condição feminina”, depois estudos sobre “A Mulher” e depois vai se dizer que são sobre “As Mulheres” porque a gente aprende que “as mulheres” não são todas a mesma coisa e finalmente a gente vai entrar com o conceito de “gênero”. E junto com o conceito de “gênero”, que é em torno dos anos 1980, que vai se começar a consolidar esse conceito de “teorias feministas”, que vai ser o conceito para abarcar a maior parte desses estudos que trabalham com o conceito de “gênero”, ou com as questões relativas às “mulheres”, ou, bom, o que a gente vai chamar de “relações de gênero”. Portanto é um conceito que do início, e até hoje, ele tem sido também contestado por outros campos mais conservadores, seja do campo acadêmico, no próprio campo das teorias sociais. Como isso!? “Mas o feminismo não é uma teoria”! Mas porque? Porque as teorias feministas elas surjem basicamente da relação entre a pesquisa acadêmica e os movimentos sociais feministas. Portanto é uma teoria que é uma totalmente engajada. Ela é uma teoria marcada pela prática militante e pela prática feminista. Mesmo que nem todas as teóricas feministas sejam super militantes ou estejam na prática. Mas é o pensamento feminista é um pensamento que se articula nessas idas e vindas entre práticas de movimentos e lutas sociais e a reflexão teórica com a construção de modelos e de conceitos mais abrangentes que possam ajudar a pensar essas práticas feministas.
>>FELIPE FERNANDES: E Professora, quais foram as contribuições das pensadoras lésbicas, principalmente as mais antigas dos anos 1970 e 1980, até atualmente, para a construção e produção das teorias feministas?
>>MIRIAM GROSSI: Olha, eu acho que aí nós temos também que pensar em alguns momentos dessa produção da teoria feminista e também do próprio conceito de “lesbianidade”, né? Porque a gente pode pensar, “bom, quando que as teóricas lésbicas começam a produzir?”. A gente poderia dizer que Simone de Beauvoir, que escreveu um livro fundador do que hoje a gente chama de “teoria feminista”, que é o “Segundo Sexo”, que ela teria sido uma das primeiras teóricas lésbicas. Ou por exemplo a Virgínia Woolf, essa escrita inglesa que nano descreu teoria, mas escreveu romances, e entre outros por exemplo, “Um quarto todo seu” ou “Orlando” que são dois romances chaves para o campo da teoria feminista atual. Que ambos seriam… Que ambas seriam autoras lésbicas e que teriam produzido textos lésbicos. Só que na época, nenhuma das duas se auto-reconhecia como lésbica, ambas inclusive tinham relações públicas heterossexuais. Claro que já de forma bastante revolucionária. Mas… Porque o conceito de lesbianidade tal como a gente tem hoje, é um conceito político. Se reconhecer como lésbica é se colocar num campo, daquilo que a gente vai aprender com a Monique Wittig, num campo de rechaço, de recusa. Então quando a gente diz “eu sou uma teórica lésbica”, tu estás assumindo também que tu vai ser discriminada, que tu vai ser atacada por esse lugar que é o lugar, digamos, da oposição ao lugar esperado para as mulheres. Então só para dizer que isso, que a gente poderia colocar essas autoras como iniciais da teoria feminista como autoras lésbicas. Portanto, há uma contribuição das autoras lésbicas desde o início desse campo teórico. Mas se a gente for pegar mais recentemente, eu localizaria por exemplo em Glória Anzaldúa, que é uma das primeiras autoras norte-americana de origem mexicana que vai usar o conceito “queer” e ela era uma das primeiras a se reconhecer enquanto lésbica e que vai ter uma influência muito grande dentro desse campo. Uma influência que está sendo recuperada agora mais recentemente. O ano passado inclusive a gente participou do grande Colóquio que teve em Paris onde se recuperou as várias facetas da Glória Anzaldúa. Claro, a gente conhece mais as autoras mais recentes, como a Butler, como quando lésbica MH Bourcier, que hoje é um homem trans. A própria Beatriz Preciado quando era lésbica e que hoje também é um homem trans, ou seja, a gente vai ver aqui que tem uma forte influência de autoras que se reconhecem enquanto lésbicas, dessa forma política, na produção da teoria lésbica. E o que que seria então uma teoria lésbica dentro da teoria feminista? Seria a produção de um tipo de conhecimento marcado por essa experiência de sujeita a mulher que não corresponde às normas de gênero esperadas pela heterossexualidade, ou seja, de um lugar mas subalterno, de segundo, na produção de conhecimento. Algo que assusta muito a teoria social da
produção lésbica é justamente quando as mulheres; e aí “lésbicas” – sexualmente falando ou politicamente falando; assumem espaços de poder. Uma das primeiras acusações, e aí eu estou pensando no caso da nossa querida ex-presidenta Dilma, que em princípio nunca se reconheceu como lésbica. Não sei, parece que não, que é uma heterossexual. Mas justamente quando ela assumiu o poder, todas as acusações que ela recebeu enquanto mulher no poder, mulher com poder, eram acusações que remetiam às suas “aspas” “masculinidade” a sua “aspas” “falta de sensibilidade”. E portanto, que a colocavam nesse campo da lesbianidade. Portanto, também se colocar no campo político da lesbianidade é também uma forma de se colocar no lugar de poder, enquanto mulher, enquanto corpos que estão à margem do poder. Então digamos que é estar fora de um lugar que é permitido e esperado para as mulheres.
>>FELIPE FERNANDES: Professora, pensando agora nessa tensão em se colocar numa posição de poder mais marginal ou abjeta, não sei se essas categorias são as melhores, como que você acha que as reflexões das lésbicas contribuem na luta feminista por direitos e anti-discriminação?
>>MIRIAM GROSSI: Bom, eu acho, e me parece algo óbvio e fundamental, hoje no momento também que tem prevalecido no interior do campo dos feminismos, são também as políticas que a gente vai chamar de “políticas de identidade”. A identidade lésbica, nas suas múltiplas dimensões, porque a gente sabe que também não existe “A Lésbica”, existem múltiplas formas de ser lésbica, de estar lésbica no mundo. Elas justamente tem tido um papel importante nessa luta política e no campo do conhecimento. Eu acho que é importante retomar, trazendo agora para o Brasil, porque eu falei de autoras norteamericanas, francesas, inglesas… pensando agora um pouco na história do Brasil. Eu acho que aqui no Brasil, essa temática, essa questão das teóricas feministas lésbicas é uma questão bem mais recente. Eu lembro de um fato marcante que foi no primeiro encontro nacional de núcleos de pesquisa sobre “Mulher e Gênero” [Pensando Gênero e Ciências], que foi organizado pela então SPM – Secretaria de Políticas para as Mulheres, na época da nossa ministra saudosa Nilcéa Freire, uma das reivindicações que havia na plenária final, vinda da rede de lésbicas, da LBL [Liga Brasileira de Lésbicas], era a reivindicação que no Currículo Lattes tivesse um lugar para preencher isso da orientação sexual. Assim como naquele momento também havia essa luta identitária do movimento negro que foi acatada, de inclusão de cor no Currículo Lattes. E eu lembro que naquele momento ali, algumas teóricas lésbicas e feministas, entre as quais eu me incluo, e estava também Maria Luiza Heilborn, que foi uma das pioneiras desse campo no Brasil, eu lembro de nós discutindo e dialogando com as companheiros militantes de que nós não achávamos que fosse produtivo para o campo da teoria social feminista essa auto-indicação no Currículo Lattes. Nós dizíamos, “se eles descobrem o quanto tem de pesquisadoras lésbicas no campo da teoria feminista é possível, é capaz, que a gente perca financiamentos e recursos porque vão dizer que nós estamos sobrerepresentadas. Então eu me lembro… Estou contando isso que já é quase uma história de embates políticos, eu não sei se eu teria a mesma posição hoje, mas eu acho que ela mostra isso, que no campo feminista brasileiro, a lesbianidade ela foi e várias autoras já mostraram isso, entre outras a Anélise Fróes na sua dissertação de mestrado, o quanto teve de conflito entre o movimento lésbico, que estava junto com o movimento homossexual, então que já tinha conflitos dentro do movimento então chamado de homossexual lá na década de 1970 e 1980 com os gays sobretudo. Com os homens homossexuais onde o lugar de lésbicas era um lugar subalternizado, também pelas posturas machistas e tal no movimento homossexual. E também pelo movimento feminista, onde as feministas heterossexuais, isso lá no início do feminismo da terceira onda no Brasil, nos anos 1970 e 1980, que também que sentiam muito ameaçadas pelo reconhecimento de mulheres lésbicas no interior do movimento feminista, porque era a principal acusação às feministas era que eram “mal amadas”, que “não gostam de homens”, “são lésbicas”. E portanto as feministas heterossexuais morriam de medo de sofrerem essa acusação. E não queriam de forma alguma que a lesbianidade aparecesse no interior do movimento feminista como uma identidade, porque ela era uma identidade discriminatória também naquele momento. Então, felizmente, eu acho que passados já quase 40 anos dessa fase inicial, até um pouco mais para alguns movimentos, a gente vai ver que hoje não! Que hoje a gente tem outros movimentos, outras formas de colocar no campo e onde essa própria pertinência ao campo das teóricas lésbicas, traz para as autoras que se auto-reconhecem nesse campo, também um “a mais”, um um diferencial disso que é o conhecimento. De falar de um lugar de experiência, da experiência de estar nessa situação de lésbica. Eu posso falar desse lugar e contar do quanto isso mudou. Eu entrei como professora universitária há mais de trinta anos atrás, inicialmente na FURB e depois aqui na UFSC, e essa identidade lésbica tinha que ser realmente uma identidade totalmente escondida, secreta… Porque ela era um empecilho para uma carreira acadêmica. Felizmente hoje isso já não é mais assim. E eu fico muito contente de ver na universidade várias alunas andando de mãos dadas e se beijando etcétera. E vendo também, por exemplo, nas apresentações de início de semestre na sala de aula, todas as alunas lésbicas se dizem, sem nenhuma pergunta sobre orientação sexual, se reconhecem como lésbicas. Então portanto eu acho que houve uma transformação, da qual eu tenho muita alegria de acompanhar, desse auto-reconhecimento e dessa percepção hoje das novas gerações de mulheres que se auto-reconhecem nesse campo, de que é importante essa enunciação. Falar do lugar que a gente está é também uma forma de construir política e de construir espaços de conhecimento.
>>FELIPE FERNANDES: Professora, muito obrigado! Essa aula foi excelente! Em nome do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade, eu gostaria de te agradecer. Mas como essa é a primeira aula e nós temos aí mais dois ou três minutinhos, eu gostaria que você deixasse como conclusão de nossa aula uma mensagem para as alunas que estão chegando na universidade e que vão se formar como analistas de políticas públicas de gênero, as pós-graduandas de todo o Brasil que estão aí no Moodle conosco. Essa como é a primeira aula seria bom para nós uma mensagem sua concluindo essa aula.
>>MIRIAM GROSSI: Primeiro eu queria parabenizar o Professor Felipe Fernandes e o GIRA por esse curso, lembrando que esse não é o primeiro curso sobre teorias feministas lésbicas que o GIRA organiza. Eu já tive oportunidade e pude participar de um outro, que teve duas edições e muitas e muitas alunas que participaram e eu acho que o GIRA está trazendo uma discussão que ainda é muito pequena dentro do campo imenso que nós temos hoje no Brasil de pesquisadoras feministas e de pesquisadoras também que se reconhecem como queer, LGBT, lésbicas, etc… Portanto eu quero realmente parabenizar essa iniciativa, acho que ela é muito importante. A segunda coisa é para dizer para as novas alunas que estão chegando aqui, calouras e mais antigas no curso da UFBA e de outros lugares, que eu acho que vocês têm uma tarefa muito importante pela frente. Que é a responsabilidade com a universidade pública, com a formação teórica nesses campos que nós estamos ensinando de gênero, diversidade, teoria queer, teorias lésbicas, etc. Porque? Porque nós estamos vivendo este momento de grande retrocesso político no Brasil e isso começa com certeza.. A nossa presidenta Dilma sofreu um golpe em 2016. Nós perdemos o ministério que era a SPM. Nós perdemos uma série de políticas públicas. Nós temos agora, nem vou citar, vocês sabem né? Personagens extremamente controversos em espaços que são espaços que nós construímos, que nós conquistamos enquanto feministas, lésbicas, movimento LGBT… Portanto então vocês estão num momento hoje onde todo esse conhecimento tem sido contestado tanto a nível de políticas públicas quanto
nessas tentativas de impedir os Estudos de Gênero, acusando deles serem ideológicos, etc. Portanto eu acho que estudar essas questões é sim uma forma de resistência política muito importante para o Brasil em 2020. Nós sabemos que esse movimento de extrema-direita, que esse movimento conservador infelizmente não é algo só no Brasil. Nós estamos aí com o Trump nos Estados Unidos, nós estamos vendo isso na Hungria, na Polônia, em vários lugares da Europa que já estão retirando os Estudos de Gênero… Portanto eu queria dizer para vocês que também a permanência e a continuidade dos Estudos de Gênero, de Sexualidade, de Diversidade nas universidades brasileiras depende muito do engajamento de vocês enquanto estudantes com esses cursos. E sobretudo nesse momento que nós estamos aqui né fazendo essa experiência de aula online, que para mim que estou há mais de 30 anos dando aula presencial, é extremamente inovador – e também perturbador – e eu imagino que para todo mundo. Claro que nós gostaríamos muito de estar juntas, nos olhando, nos abraçando, conversando… Mas eu acho que nós temos também que aproveitar esse momento, que é um momento muito rico, onde a gente pode, por exemplo, eu estou aqui na minha casa em Florianópolis conversando com o Felipe que está lá em São Félix na Bahia e com vocês que estão em vários lugares do Brasil. Eu acho que também, valorizar que tem algo positivo nessa forma de transmissão de conhecimento nesse momento, eu acho que também é um compromisso político da parte de vocês e nossa. De vocês enquanto estudantes e nossa enquanto professoras desde o curso.
Porque? Porque os ataques às universidades públicas e aos nossos estudos são muito grandes. E eu acho que se a gente não continuar fazendo cursos assim – agora nesse momento online – e não continuar defendendo esse campo de estudos, pelo nosso engajamento, ele infelizmente corre o risco de ser eliminado, como já foi em outros países do mundo. Mais uma vez bem-vindas ao curso e muito obrigada Professor Felipe por ter me dado esse privilégio de ficar na aula de abertura.
>>FELIPE FERNANDES: O privilégio é nosso Professora! Muito obrigado e um ótimo semestre para vocês em Santa Catarina.
>>MIRIAM GROSSI: Obrigada e até logo!
Aula 01 – Beauvoir e Woolf e a Suposta Recusa da Essência Feminina
[Abertura do vídeo com música em Francês de Ariane Moffat – Debout]
>>JULIANA OLIVA: Olá, meu nome é Juliana Oliva e eu sou professora de Filosofia da Educação na Faculdade de Educação da USP, e fiz meu mestrado e meu doutorado em Filosofia, na Universidade São Judas Tadeu e depois na Universidade Federal de São Paulo, estudando Simone de Beauvoir. Os estudos que eu fiz dessa filósofa se concentraram nas questões de identidade reciprocidade e erotismo na obra Segundo Sexo e, também, quando eu cheguei no doutorado num diálogo com a Literatura e produzida pela Simone de Beauvoir. E quando eu falei identidade eu remeto a uma das questões chaves do Segundo Sexo, que a gente encontra logo na introdução do livro: “O que é uma mulher?” como eu gosto de dizer, Simone de Beauvoir parece perguntar e tentar responder, tentar trabalhar numa resposta para gente numa outra pergunta que seria: “o que não é uma mulher”.
E quando eu trabalhei com essa questão sobre a identidade no mestrado, eu acabei indo parar numa outra autora que foi aconselhada aí pelo meu orientador na época que é a Virginia Woolf que também tinha muito a contribuir com a gente sobre essa reflexão a identidade ou da não identidade, de um vazio de identidade, para mulher. Mas primeiro, o que que tá em jogo em O Segundo Sexo? Bom, Simone de Beauvoir no final da década de 1940, ela decide escrever algo sobre ela mesma. E aí, ela conta nas memórias dela que ela chega para o Sartre, grande companheiro dela, e pergunta, e comenta com ele na verdade, que ela quer colocar esse projeto em prática, e ele pergunta pra ela se ela já se perguntou sobre o que é ser uma mulher. E para ela, essa questão não tem peso, ela nunca se sentiu limitada, identificada como mulher, mas ela vai atrás da questão e ela começa a ler então o que se escreveu sobre a mulher. Ela vai para Biblioteca Nacional, lá em Paris, Simone de Beauvoir é uma filosofia francesa. E ela começa a ler, tudo o que ela encontra que foi todas as obras que tratam sobre a mulher e essa pesquisa vai resultar em dois volumes no livro de quase mil páginas. E aí a Beauvoir vai começar a investigar e compreender, inclusive, a gravidade da situação da mulher ao longo de muitas e muitas eras. O que ela percebe é que existe uma estrutura enorme sustentada por diversas áreas do conhecimento, e também pelos próprios costumes, pelas próprias leis de uma sociedade que mantém a mulher num lugar de “outro”, e tentam o tempo todo caracterizar o que seria feminilidade, e essa feminilidade sempre termina colocando as mulheres em um lugar inferior.
Mas a grande surpresa, a grande novidade, pessoal, é que a mulher não é algo único, a gente não define a mulher de uma vez por todas. Ainda que, em diversos momentos históricos, ou mesmo se a gente começar a pensar o que ensinaram para gente que seria uma mulher, tem aí uma característica rígida que apresente alguma fixidez, a gente vai ver que é tudo falho, dependendo do momento, dependendo do interesse de quem tá definindo o que é uma mulher essa definição varia. Então ela é sempre muito frágil ela pode quebrar, ela pode ser modificada a qualquer momento, ora, então que é uma mulher? E por que eu posso modificar o tempo todo? A Beauvoir vai assumir aí a perspectiva da existência e vai pensar nossa presença, nossa presença de seres humanos no mundo, como a ausência de ser. Ora, o ser humano não é. E o ser humano vai justificar a sua existência conforme as suas escolhas, escolhas que estão aí limitadas por uma situação, então uma vez que temos vários indivíduos fazendo escolhas um vai interceptar o outro, e a proposta para Beauvoir é que toda a escolha que a gente faça, todo projeto que a gente funde, todo projeto que a gente venha a fundar ele não elimine a nossa liberdade original, essa que é própria dessa ausência de ser, não apenas a nossa mas a do outro.
Então, infelizmente isso não acontece, nós sabemos há várias situações de opressão portanto, a gente vai então fazer as escolhas, essa escolha em situação que é atravessada por questões de gênero, de raça, de classe… E então essa liberdade, ela não vai ser aí totalmente ilimitada ou igual para todas as pessoas. Mas “O Segundo Sexo” é uma longa história, eu gostaria só de focar aqui neste momento, então, nessa ausência de ser que caracteriza o indivíduo, que liberta as mulheres de toda a definição que passe por cima dessa escolha dessa mulher ,da presença dessa mulher no mundo, da subjetividade dela sendo afirmada, e quero me concentrar nesse vazio então que vem aí provocar as nossas ideias e supostas verdades da estão sedimentadas. E pra isso, eu recorro também a Virginia Woolf que vem como um complemento para Beauvoir em alguma medida, ou ao menos um complemento para a gente quando a gente ler a Beauvoir.
A Beauvoir menciona Virginia Woolf em alguns momentos de “O Segundo Sexo”, a famosa obra sobre a mulher que eu tenho comentado aqui, uma obra escrita entre 1947 e 1949 publicada em 49, mas Virginia Wool tá ali, em alguns momentos como várias e várias outras referências que aparecem nesse livro. Só que, quando é perguntado para Beauvoir sobre a fundamentação teórica de “O Segundo Sexo”, ela vai dizer que não tem nada que tenha sido escrito, mais ou menos na mesma linha, que ela tenha conhecido antes dela realizar essa obra, mas ela vai atribuir aí a sua própria experiência e as as próprias reflexões o caminho que ela percorre no livro. Mas aí, puxando um pouco mais pela memória ela vai dizer sim, que tem uma obra que seria que mais se aproxima aí sua proposta no “Segundo Sexo”, que é “Um Teto Todo Seu” da Virginia Woolf.
“Um Teto Todo Seu” é um livro de 192,8 em que a Woolf vai fazer um movimento muito parecido, por meio que uma personagem ali que faz um movimento muito parecido, com o que a Beauvoir vai fazer realmente lá na década de 40. A personagem da Woolf é alguém que está numa biblioteca e começa a pegar alguns livros escritos por homens que falam sobre a mulher, e começa a ficar bastante incomodada com a raiva que ela nota aí nos homens. Por que eles falaram aquilo das mulheres? Por que inferiorizaram as mulheres seja no que diz respeito ao corpo ou a inteligência? E assim, esse livro, esse ensaio da Woolf, vai caminhar aí para uma questão que é bastante conhecida entre as pessoas que já tiveram algum contato, ou que ouviram falar desse livro que é indagar sobre o motivo das mulheres não escreverem. Ela vai notar que se o Shakespeare tivesse uma irmã ela estaria muito mais limitada do que ele, faria muito menos coisas, teria muito menos acesso aos ambientes que ele frequentava ou teria nenhum acesso, e não seria uma grande escritora. É interessante a gente ler “Um Teto Todo Seu” junto com um texto da Woolf que se chama “Profissões para mulheres”. Esse texto é de 1931 e é direcionado a mulheres que estão entrando no mercado de trabalho. E aí ela vai também questionar a relação da mulher com a escrita, relação da mulher com o trabalho que eles já concentração, e que existe aí um ambiente propício para a realização desse trabalho, uma certa identidade ou uma identificação, podemos dizer melhor, com aquilo que está sendo feito. E no “Profissão Para Mulheres” a Woolf vai destacar aí uma imagem que ela chama de “anjo do lar”. O “anjo do lar” então seria aquela imagem que chega farfalhando suas saias e interrompe a mulher bem no momento em que ela tá escrevendo, em que ela tá ali criando. Isso acontece para ela no âmbito doméstico, porque a mulher tá dentro de casa tentando trabalhar e as tarefas domésticas, todo ambiente ali da casa, se impõe, a interrompe e a impede de fazer seus… de fazer o seu trabalho criativo. Por que que eu tô falando aí das duas? Nesse tempo breve que a gente tem, o que eu gostaria de colocar aí, frente a frente, é o questionamento tanto da Beauvoir quanto da Woolf sobre o que é uma mulher. A Beauvoir também vai falar das tarefas domésticas, de como isso ocupa o lugar, o espaço, a própria subjetividade da mulher, e como isso vem como um papel imposto, e como a mulher lida com isso, e como a mulher se vê nas tarefas, se vê nos objetos da casa, e existe quase que uma troca de reflexos. A minha questão aqui, como eu já disse, é a identidade. É perguntar o que é uma mulher ou que não é uma mulher, e se a Beauvoir ela já questiona ali na introdução do Segundo Sexo o que é uma mulher, seria algo que vem de cima? vamos buscar a resposta no céu platônico? Ou será que são os ovários que vão determinar o que é uma mulher? Por outro lado, a Wolf, antes da Beauvoir, já também está fazendo esses questionamentos e circundando a mesma pergunta. Beauvoir fala da necessidade de se livrar de um suposto “eterno feminino” que seriam todas as tentativas de enquadrar mulher numa ideia única de feminilidade, e a Woolf vai pensar em uma realidade pós-morte do “anjo do lar”.
Eu finalizo essa minha conversa, minha breve conversa com vocês, com uma citação do “Profissão Para Mulheres” que a Woolf diz: “ Mas continuando minha história, o anjo morreu e o que ficou? Vocês podem dizer que o que ficou foi algo simples e comum, uma jovem no quarto com um tinteiro. Em outras palavras: agora que tinha se livrado da falsidade a moça só tinha de ser ela mesma. Ah! Mas o que é ela mesma? O que é uma mulher? Juro que não sei. E duvido que vocês saibam! Duvido que alguém possa saber enquanto ela não se expressar em todas as artes e profissões abertas às capacidades humanas, e de fato, essa é uma das razões pelas quais estou aqui em respeito a vocês que estão nos mostrando com suas experiências o que é uma mulher. Que estão nos dando com seus fracassos e sucesso essa informação da maior importância.”
Bom, tanto para Woolf quanto para Beauvoir, a experiência vivida, a singularidade, vai ajudar a gente a chegar no que a gente pode chamar de “universal”, mas sem a pretensão de fixar um universal que acaba sendo excludente a outras realidades. A singularidade é muito importante, a experiência é muito importante, e o espaço ocupado pelas mulheres em várias esferas, em vários âmbitos da sociedade, também vai ser fundamental e isso a gente encontra na obra das duas.
[FIM]
Aula 02: Epistemologias Negras e Lésbicas (Felipe Fernandes)
[Abertura do vídeo com música em Francês de Ariane Moffat – Debout]
>>FELIPE FERNANDES: Gente! Nós temos hoje uma convidada mais do que especial, que acompanhou o nosso projeto Pensamento Lésbico Contemporâneo [PLC] desde o início. É autora desse texto que está aí embaixo no Moodle. Eu vou ler o título aqui para vocês: “Raça, Interseccionalidade e Violências: corpos e processos de subjetivação em mulheres negras e lésbicas”. Vamos lembrar que é um dos textos, não sei se ela sabe, mais citados da nossa revista [Cadernos de Gênero e Diversidade]. Então é o carro-chefe da nossa revista. Temos então a presença da professora Fátima Lima da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bem-vinda Professora!
>>FÁTIMA LIMA: Olá! Obrigada Felipe. Olá a todas, todos e todes! Eu faço uma saudação especial nesses nesses tempo de enfrentamento que a gente está vivendo na universidade. Na aposta da produção de conhecimento de forma remota, em todos os enfrentamentos que a pandemia da COVID-19 tem trazido e os desafios que tem sido a gente se somar a essas tecnologias como forma de resistência e de (re)existência. Principalmente fazendo uma saudação especial a um curso como esse, que é um curso que tem essa temática… E não é, diga-se de passagem, uma temática ainda muito explorada e tem muito ainda que ser refletida, que ser discutida e ser questionada… Que é, vamos chamar assim, o tema das lesbianidades. Então, nesse sentido, seria é impossível não vir me somar nesse projeto, não vir me somar também nessa discussão. Entendendo que essa é uma discussão que tem sido muito encampada aí pelo Felipe e pelo grupo de lésbicas que tem acompanhado o trabalho do Felipe, trazendo muito esse rasgo, vou dizer assim, nas epistemologias e nas epistemologias que tratam de gênero e sexualidade, dos estudos feministas, dos estudos queer… Então, tomando a perspectiva de importância do que a gente vai chamar no sentido mais amplo de lesbianidades.
>>FELIPE FERNANDES: Professora, então é uma honra para nós tê-la aqui conosco na nossa aula hoje sobre raça, antirracismo e lesbianidades. Eu gostaria de começar te perguntando, professora, se possível, como se deu a organização das mulheres negras no passado e hoje? Você pode falar um pouquinho para nós?
>>FÁTIMA LIMA: Sim, sem dúvida. Mas antes disso eu quero colocar algumas questões, porque eu fiz um rabisco aqui, né? Para trazer… Primeiro eu quero me situar. Não é a ideia de “lugar de fala”, mas de onde eu me situo. De onde eu também enuncio as coisas que eu vou colocar aqui. Eu sou assignada, tida como uma mulher, uma mulher lésbica, uma mulher negra e nordestina. Vivo há 11 anos aqui na cidade do Rio de Janeiro. Eu tenho também uma inserção de militância, eu não entendo que tenha uma separação entre uma militância acadêmica e uma militância fora da academia, mas eu vou colocar nesses termos. Uma militância com o movimento de mulheres negras aqui no Rio de Janeiro, no estado do Rio de Janeiro. De alguma maneira essa militância não apenas no Rio de Janeiro, mas no Brasil, e de alguma maneira com o Movimento LGBTQI+ foi oxigenando também as minhas reflexões. Muitas das coisas que eu vou colocar aqui, do ponto de vista conceitual, do ponto de vista…, elas estão antes de tudo inscritas na vida. Existe um modo de vida que se define como um modo de vida lesbico, vou colocar assim, um modo de vida sapatão, que não é uma experiência única, que é uma experiência plural. Eu acho que uma tônica desse curso aí, em qualquer perspectiva que vocês estejam discutindo, é sair muito dos universalismos, dos essencialismos… Tanto em relação à categoria mulher, quanto em relação à lésbicas e quanto também em relação às negras. É tentar entender que esse território é um território que se dá pela pluralidade. Onde a gente pode trazer elementos em comum para a gente pensar essas experiências. Então primeiro eu situo esse meu lugar. Enquanto mulher, lésbica, negra, nordestina, acadêmica, feminista, feminista negra. Enfim, é a partir desse lugar que eu tenho dialogado. Mais uma vez eu também ressalto a relevância desse tema, principalmente do ponto de vista epistemológico e do ponto de vista conceitual. Vou reforçar isso. Principalmente na atenção que traz no campo dos estudos das relações de gênero e sexualidade, nos estudos da heterossexualidade. Uma reflexão sobre a heterossexualidade compulsória. Com certeza vocês vão ler os textos de Adrienne [Rich], eu não tenho a menor dúvida disso. E também da cisheteronormatividade, que é inseparável da experiência das lesbianidades. E também, pensando que tem uma dobra aí, que é essa militância que eu vou chamar de “fora da academia”, que “antecede a academia”, ou que “vaza a academia”, ou que está nas “franjas da academia”, que são os movimentos por direitos civis, por direitos sexuais, mas principalmente pelo direito de existir. O direito de existir a partir dos nossos desejos, de desejar, amar e se relacionar do ponto de vista afetivo, do ponto de vista afetivossexual, extrapolando inclusive a dimensão da própria sexualidade, vocês também vão ler o texto da Monique [Wittig] aí, como essa experiência se situa num âmbito muito mais profundo, mas que tem a ver antes de tudo com a capacidade de autodeterminação e de autodefinição do mundo, das nossas sensações, do mundo dos nossos desejos e principalmente de uma autonomia corporal e subjetiva. Então queria também colocar isso, da força que esses movimentos tem. Eu estava na primeira conferência LGBT que é quando o L vem para frente da sigla. Tudo bem que essa sigla é muito plural e ela diz apenas de uma parte, mas o movimento dela também interessante. Quando o movimento de lésbicas já fazendo uma tensão para dentro do próprio movimento gay, vai causar aí uma fricção, uma tensão, que redimensiona lugares de poder. Se as palavras tem lugares de poder, as siglas também tem lugares de poder. As siglas também dizem muita coisa. E hoje a gente trabalha em cima dessa sopa de letrinhas, que é LGBTQI+ e por aí vai. Pegando essas questões gerais e indo para um tema específico, que tem a ver com o texto que vocês vão ler, e tem a ver com o que eu tenho chamado de Pensamento Racial e os Estudos Raciais, e onde é que os Estudos Raciais se cruzam ou podem se cruzar com os Estudos das Lesbianidades ou onde a experiência da lesbianidade precisa, na verdade, ser lida, vou colocar assim, ao escurecimento, não vou dizer à luz porque não seria luz, mais ao escurecimento da noção de raça ou do evento racial. Entendendo também a complexidade de pensar hoje o que é o evento racial, o que é o evento racial no Brasil, pensar o que foi chamado de processo de miscigenação, o processo de embranquecimento… Enfim, todo esse conjunto aí que vocês muito bem acompanhar e acompanham muito bem aí na Bahia também, em torno dessa experiência de ser negra. Não vou entrar muito nessa seara porque seria uma discussão à parte. Mas pensando um pouco nessa multiplicidade, e aí eu vou pegar um pouco as mulheres e feministas decoloniais, principalmente a Ochy Curiel e a Yuderkis Spinosa, pensar muito “mulheres racializadas”.Entendendo o que eu tenho chamado de racializadas, dialogando com elas, as mulheres que estão fora dos eixos de privilégios raciais, de classe, de gênero e sexualidade, territoriais, geracionais e a própria discussão do capacitismo que não fica de fora dessa discussão toda. Então esse grande diagrama de privilégios vai dando um lugar e uma configuração de hegemonia. Um conjunto de mulheres estão fora dessa experiência e são atravessadas, ou interseccionalizadas, se a gente quiser tomar o termo, mas para além disso, elas são atravessadas mesmo, por esses eixos de opressões. E eles estão ali fazendo o tempo todo vizinhanças. Eles são contingenciais e em alguns momentos eles são mais chamados do que outros. Algumas situações se tornam visíveis. Mas tirando isso e pensando numa problemática bem geral, a pergunta é que seria impossível a organização do movimento de mulheres no passado e hoje, sem a presença das mulheres negras e sem a presença das mulheres lésbicas ou sem a presença das mulheres negras e lésbicas. A história do próprio movimento de mulheres negras está imbricada, ela está contaminada, vou dizer assim, ela está tomada pela experiência das mulheres lésbicas.E a gente pode colocar na própria constituição da organização dos movimentos de mulheres, sendo esses movimentos feministas ou não, essa discussão é muito presente. A gente tem desde pensadoras… A gente tem desde um texto como a Combahee, por exemplo, que é um texto de 1977 se eu não me engano, e é um texto seminal que parte inclusive de uma coletiva que tem nas experiências das lésbicas negras um papel fundamental, e ali ainda não estava cunhada a palavra interseccionalidade, mas elas já estão se posicionando nesse lugar de múltiplas opressões, principalmente o racismo e o sexismo. E junto com o sexismo também as relações pertinentes que tocam as mulheres lésbicas. Então você ter desde um texto como esse ao trabalho também, eu vou colocar aqui da Glória Anzaldúa e da Cherrie Moraga, impossível passar por esse movimento sem passar pelas reflexões da Glória, principalmente nesse livro, que possivelmente vocês tenham algum texto, “A Fronteira: rumo a uma nova consciência”, a consciência da nova mestiça, esse é um livro também seminal. E outro livro que para mim tem organizado um pouco essa fala, e eu estou num processo de mudança de casa no meio dessa pandemia, e aí estou gravando isso no meio disso tudo, foi revisitar um livro, que eu também não sei se está aí, que eu tenho só a xerox dele, que é “Esta ponte chamada minhas costas”, também organizado pelas chicanas, organizado pela Cherrie Moraga, por exemplo. E nesse livro tem um textoque para mim abre, um texto que vocês vão ler aí com o Professor Felipe, que é o texto da Cheryl Clarke, onde ela vai colocar o “Lesbianismo como um Ato de Resistência”. Como um ato de se colocar frente ao mundo. Frente à matriz de inteligibilidade da heteronormatividade compulsória. Frente à cisheteronormatividade. Frente à violência do patriarcado. Então esse ato de resistência, esse corpo que se impõe de uma forma muito forte a partir da ousadia, do desejo de amar as mulheres num sentido mais amplo do que isso pode significar. Não tem como não falar desse movimento de organização epistemológica, estou falando aqui de campo conceitual, obviamente que essas mulheres tinham antes de tudo também uma militância. Interessante ver que o movimento não é ao contrário, não é a academia pensando as lesbianidades, mas são as experiências lésbicas de mulheres que estão de alguma maneira dentro da produção intelectual que vão aparecendo, a partir de suas militâncias nessa experiência. Que é uma leitura contrária. Então a academia vai forjar esse debate, que eu acho que foi muito bem nomeado e organizado como pensamento lésbico, a partir dessas experiências. Então as experiências das chicanas, as experiências da Glória, as experiências das afro-feministas decoloniais elas partem, toda a produção e elaboração conceitual parte da experiência. Então essas são obras importantes, para isso a gente vai por uma matriz estadunidense, para pensar muito na Audre Lorde. Então eu fui reler também, agora publicado em português, que ficou na tradução em português “Irmã Outsider”. Pensar também que esse livro é um livro extremamente importante, primeiro pela posição da Audre e não só dela, mas da Glória e da Cheryl Clarke, entre outras, da Adrienne, de se colocar como lésbica, de se enunciar. E aqui eu não estou fazendo uma apologia da necessidade da declaração, como a que eu faço no começo do vídeo, quando eu falo desse meu lugar entendendo aqui que a gente precisa discutir essa questão. Muitas vezes o silêncio também tem uma agência que a gente precisa ter o exercício na nossa experiência de tentar perceber outras experiências que não são experiências nossas. O ato de enunciar também exige às vezes um contexto que permite que você enuncie. Talvez eu enuncie hoje num lugar muito confortável enquanto professora universitária, enquanto concursada, enfim. Então a Audre tem textos fundamentais aqui. Ela tem uma entrevista com a Adrienne aqui muito bonita, muito potente. Mas tem também uma carta que ela escreve para o filho dela. Que é uma carta para um filho de uma mulher lésbica, de uma mulher lésbica negra que vive uma relação interracial. Que aí eu acho que são outros debates que as experiências que envolvem as mulheres negras, nas experiências com as lesbianidades, ela chama, elas chamam para um debate que tem a ver tanto com o que tem sido discutido agora, e eu acho que isso vai ser tema aí do curso de vocês, tema das aulas de vocês, tanto no que tem sido chamado agora de relações afro-centradas – mulheres negras e lésbicas que tem se envolvido com outras mulheres negras e lésbicas – mas também mulheres negras e lésbicas que tem relações interraciais. Eu acho que esse debate é o debate do momento! E os estudos da Audre Lorde, a forma como a Audre Lorde via o mundo é uma forma libertária, não só ela mas a própria Glória, que vai falar muito da política de aliança. Eu acho que… Do que é fazer política de alianças e do que é a gente se abrir à pluralidade do mundo, a Audre também tem muito essa experiência enquanto lésbica negra com mulheres brancas ou com mulheres não-negras, é muito importante então. Não tem como. A pergunta é sobre a organização das mulheres negras no passado e hoje. Elas contaram de forma fundamental com a experiência das mulheres negras. Mesmo, e aí eu vou ressaltar, já finalizando essa pergunta, que essa relação não tenha sido tão lisa assim, que essa relação é uma relação com tensões. Ela tem uma tensão tanto no campo epistemológico, mas ela tem uma tensão no campo da organização social do campo político das lutas. E para dentro inclusive da própria comunidade negra. Não é a toa que a bell books vai ter textos, vou colocar de uma maneira mais geral, das homossexualidades para dentro no âmbito da comunidade negra. Isso também não é muito diferente nos movimentos também aqui no Brasil, é precismo entender que também é impossível dissociar os movimentos sociais negros da agenda das lésbicas negras e das travestis e transexuais negras. Elas são fundamentais nesse processo. Mas isso tudo é uma organização e tem avançado. Ultimamente eu tenho um visto posições do movimento negro a partir de. um setorial LGBTQI+ e eu acho que isso tem muito para contribuir em processos que décadas atrás, uns anos, décadas atrás, ele tinha certos entraves, que está muito ligado também à máquina racista. E como a máquina racista vai produzindo sobre os corpos dos homens – e das mulheres negras uma fantasia colonial. É essa fantasia colonial em cima da mulher negra, é a fantasia colonial da hipersexualizada ou da mulher servil, desse corpo que serve. Eu acho que isso é fundamental para vocês discutirem aí. E isso não se esgota! Esse tema ele não se esgota porque ele abre um conjunto de reflexões. Sempre com muita generosidade, sempre com muita abertura e sem cair nas armadilhas das verdades. Não tentar desmontar um regime de verdade a partir da criação de outros regimes de verdade. Que no final ao invés de abrir a possibilidade, ele acaba fechando o encontro com a potência das diferenças nas diferenças. E na construção de uma agenda mais comum.
>>FELIPE FERNANDES: Se você me permite eu gostaria de fazer uma pergunta que não está no nosso script. A gente tem debatido nos últimos três anos e meio um conceito de “pensamento lésbico”. Algumas vezes a gente se bate com “toda a escrita de uma mulher lésbica ou de uma lésbica não identificada com a mulher é um pensamento lésbico”, mas em outros momentos a gente tem debatido, e a equipe tem sido mais convencida, de que é o pensamento lésbico “toda aquela escritura onde a autora aponta a sua posição como lésbica como fundamental e relevante para a construção do seu pensamento”. Isso muito das lésbicas negras que a gente leu e que você citou bastante. O que que você acha? Há uma escritura lésbica? Ou para se ter uma escritura lésbica é necessário atestar que a lesbianidade é um lugar fundamental desse pensamento?
>>FATIMA LIMA: Então, eu não acho que elas são excludentes não. Eu não acho que elas são excludentes e eu acho que o que pode marcar uma certa escolha momentânea é uma posição política. É uma posição política. Aí eu entendo que quando o grupo que tem formulado aí, forjado, formulado e disputado a ideia de pensamento lésbico, eu fui até ler a entrevista da Miriam [Grossi], quando entrevistaram ela no curso sobre o pensamento da Monique [Wittig] e ela coloca isso né? Ela coloca justamente o que é forjar essa ideia de pensamento lésbico. Claro que vocês estão forjando e estão disputando um campo conceitual. E esse campo conceitual exige às vezes posições políticas e talvez nesse sentido se posicionar politicamente sobre uma auto-definição, uma autodefinição, a própria Cheryl Clarke vai dizer, “eu me nomeio lésbica”, ou a Judith Butler vai dizer naquela história do menino que chama de lésbica que ela volta e diz “eu sou uma lésbica” e o que é que significa esse ato de autonomear-se, né? Daí devolver ao outro a injúria, é porque é um jeito de devolver ao outro uma dimensão injuriosa. Eu acho que isso é uma posição política interessante. Eu acho que vocês precisam fomentar muito aí onde essa posição política pode obliterar outros processos que não necessariamente se dêem dessa maneira e que tenha um rasgo ou uma importância no que a gente pode pensar duma produção lésbica. Vou dizer um exemplo muito profundo. Às vezes a poesia, a própria poesia da Audre Lorde. Vou pegar um exemplo. As vezes, e eu não estou dizendo que é ou que não é, mas por exemplo eu tenho me debruçado agora sobre os escritos de Conceição Evaristo. Então em “Insubimissas Lágrimas de Mulheres” tem uma história, uma dessas histórias é de uma mulher que sofre um estupro corretivo. Em nenhum momento do texto aparece a palavra lésbica ou sapatão. Não tem jogo isso. Mas tem ali, e não é só nesse, ela também tem outros textos, menos ainda talvez do que eu gostaria que tivesse, que vai trazendo de alguma maneira elementos da lesbianidade. Esse texto para mim está posto em um pensamento lésbico. Eu acho que aí tem uma diferença, entendeu? É porque eu estou sem o meu livro aqui, mas eu recomendaria que vocês lessem. [Isaltina] Campo Belo é o sobrenome dela, agora não me lembro. Eu poderia até pegar. Eu sugeria que o grupo lesse esse conto aí. O que é que a gente faz um texto como esse? É de uma escritora potente, de uma escritora negra. Eu acho isso uma questão muito delicada porque envolve várias mulheres que estão escrevendo até em outros contextos. E tem as mulheres que estão muitas vezes escrevendo em contextos africanos por exemplo. Mesmo que a gente tenha toda a cena LGBTQ, toda a cena queer, por exemplo, dentro do pensamento e da produção africana… Mas eu penso assim, eu acho assim. Como posição política eu entendo e acho super pertinente. O que eu pensaria é que essa posição política não deve ser hermética. Ela deve se pensar o tempo todo. E entender que tem uma porosidade aí que necessariamente não pode ser tomado como a gente diz a ferro e fogo desse jeito. Assim é um pouco do que eu penso.
>>FELIPE FERNANDES: Professora, para a gente concluir a nossa super videoaula, que a gente aprendeu tanto sobre a epistemologia negra e lésbica, alguma mensagem para quem está se iniciando nesses estudos?
>>FATIMA LIMA: A grande mensagem que eu deixo é essa: se livrar dos essencialismos, dos universalismos, não tentar ir contra o regime de verdade criando um outro regime de verdade. Eu acho que tem muita coisa para ser feita, atentar sempre para vida, atentar para ver também quantas vezes o ponto de vista epistemológico também não cometemos violências epistemo-metodológicas. Eu acho que é isso. Ter essa abertura, entender essa genealogia, construir essa cartografia… Eu acho que eu quero até acompanhar, eu quero que você até me mande um pouco do programa. Eu acho que tem uma cartografia emergente, nova, agora de uma geração muito nova de poetisas, de intelectuais e artistas que estão aí produzindo em cima do que a gente pode chamar de pensamento lésbico. E não sei nem se elas estão se autonomeando assim. Mas de alguma maneira têm questionado muito os processos de violência e os processos de assujeitamento sobre os seus corpos que se dá nessa máquina infernal que é o racismo e o sexismo. Então eu que também vale a pena olhar esses movimentos aí em Salvador, esse movimento que vem na poesia, esse movimento que vem no Islã, por exemplo. Você começa no Islâ. O Islão que traz dentro da temática do Islã por exemplo o amor entre mulheres. Se trava uma batalha pelo amor. E não necessariamente as pessoas estão se autodefinindo como lésbicas. Como é que a gente faria? A gente faria dentro de um pensamento lésbico por exemplo? É essa categoria? É um pensamento sapatão? Que pensamento é esse que a gente está chamando? Eu acho que é isso. Isso são os desafios de constituir e forjar um campo. É esse o desafio. O campo está em dinâmica, então que vocês tenham um bom curso, que vocês aproveitem essa trajetória cartográfica entendendo a contribuição dessas mulheres. É um resgate muito grande. Porque eu acho que deve muito, né? O pensamento feminista e o pensamento feminista negro, ele deve muito um trato mais pertinente à potência do pensamento das lésbicas negras, seja na produção conceitual mas antes de tudo na militância.
>>FELIPE FERNANDES: Professora, muito obrigado por toda a tua contribuição sempre. Você sabe que você mora aqui no coração da Bahia. Olha as araras! Agradeço em nome do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade. É sempre uma experiência honrosa te escutar e aprender contigo. Muito obrigado e eu me comprometo a te mandar todos os feedbacks das alunas sobre a sua aula e sobre o seu texto.
>>FATIMA LIMA: Tá bom! Um beijo grande e aproveitem esse texto. Acho que nele eu fiz um exercício de pensar muito a partir da necropolítica e pensar também que não é apenas a política da matabilidade, mas é também… Eu avancei um pouquinho mais num artigo que eu escrevi mais recentemente pensando numa bio-necropolítica-genderizada, e como essa bio-necropolítica-genderizada acaba atingindo também os corpos das mulheres lésbicas. É impressionante! E também agora na [pandemia] da COVID-19 por exemplo. Tem uma experiência, só para concluir contando essa experiência, nessa coisa tão, por exemplo, tão polêmica, mas tão necessária de fazer que é a distribuição de cestas básicas emergenciais para quem realmente necessita, porque a fome não espera… A Casa das Pretas, que é uma ONG que eu sou voluntária, que eu sou colaboradora na verdade, recebeu algumas cestas básicas e o critério de distribuição era para as mulheres lésbicas. E a gente mais uma vez teve muita dificuldade realmente de fazer visível as mulheres de lésbicas que estão realmente sendo atingidas diretamente pela pandemia da COVID-19. Eu acho que é esse apagamento que vai sendo apagado. Nós começamos primeiro a ligar para muita gente, claro que nós sabemos onde elas estão. Elas estão nas periferias. Elas estão nas favelas. Elas estão nas comunidades. Elas são mães. Elas são donas de casa. Muitas fazem trabalho doméstico. Ou seja, eu acho que é nesse sentido que o curso precisa também ter uma força na condução. Olhar para tentar pensar nas lesbianidades para além desses circuitos nossos acadêmicos. De quem acessa a academia, a militância acadêmica, mesmo que essa militância seja acadêmica e negra. Então beijo para vocês, axé e eu estou com saudade da Bahia. Quando passar tudo isso, o primeiro lugar que eu vou viajar em qualquer possibilidade é para o Nordeste. Porque eu sou daí do lado. Eu sou de Sergipe, de Aracaju. E aí para a Bahia.
>>FELIPE FERNANDES: Será muito bem-vinda Fátima, muito obrigado.
Aula 03: Feminismos Decoloniais (Igor Leonardo de Santana Torres)
[Abertura do vídeo com música em Francês de Ariane Moffat – Debout]
[PEDIMOS DESCULPAS QUE ESSA AULA TRAVOU BASTANTE, MAS USAREMOS POR CONTA DO CONTEÚDO]
>>FELIPE FERNANDES: Bem vindas e bem-vindos para mais uma videoaula do nosso curso sobre teorias feministas e lesbianidades, hoje, nós temos uma presença ilustre: Carolina Betemps, que esteve aqui conosco na jornada presencial do Pensamento Lésbico Contemporâneo, há três anos. Parece que foi ontem, e para nós uma grande honra recebê-lo aqui para uma aula sobre feminismos descoloniais. Olá Caroline, tudo bem?
>>CAROLINE BETEMPS: Oi Felipe, tudo bem, que prazer conversar aqui de novo.
>>FELIPE FERNANDES: Então, esse curso, ele é voltado para estudantes do Bacharelado em Gênero e Diversidade aqui da Universidade Federal da Bahia. Você teve oportunidade de conhecer um pouco da nossa equipe e nós lemos – claro, está aí no Moodle aqui embaixo para todo mundo fazer o download do texto de Caroline que foi publicado em 2019 na REF [Revista Estudos Feministas], intitulado “Feminismos Transnacionais Descoloniais: algumas questões em torno da colonialidade nos feminismos”. E esse é o texto que vai mediar os nossos debates desta semana. Caroline, começando a conversa, antes da gente entrar nos meandros mais teóricos da sua pesquisa, quais as memórias que você tem da Bahia? O que é que ficou?
>>CAROLINE BETEMPS: Olha, a Bahia ficou muito presente. Foi uma experiência bem intensa que. até hoje no momento da escrita da pesquisa em diálogo com as pessoas que eu conheci lá, está muito presente, na crítica a branquitude, no desenvolvimento de pesquisa da pesquisadora. Foi um antes e depois. Acho que é uma contribuição para o mundo do pensamento lésbico, do pensamento feminista, do pensamento antirracista, as pessoas na Bahia…
>>FELIPE FERNANDES: Nós já tivemos algumas aulas sobre o que são teorias feministas, sobre o que são as epistemologias negras e lésbicas e, nesta semana, a nossa aula é sobre feminismos descoloniais. Você pode nos contar um pouco o que são esses feminismos latino-americanos e qual o impacto desses feminismos no contexto global? Nos feminismos transnacionais? Não sei se eu estou usando as categorias da forma correta…
>>CAROLINE BETEMPS: As categorias estão aí para a gente usar, já a forma depende um pouco do contexto. Então para a gente entender um pouco do que é o feminismo descolonial acho que é importante ver um pouco a trajetória da opressão colonial. Eu falo colonial, mas entendo que tem pessoas em contexto espanhol também como uma forma de distanciamento ou ressignificação com uma parte mais acadêmica do que é a opção decolonial ou os estudos descoloniais. Então o feminismo decolonial parte da ideia da colonialidade de gênero. Vou dar um passinho atrás pra falar sobre o que significa colonialidade e de onde vem, como uma categoria central da opção decolonial e a opção colonial, na verdade, existem várias hoje em dia, depende muito do lugar em que se fala. Eu, no caso, falo desde a experiência branca espanhola que teve formação na América Latina e morando na Europa, encontrei com pensadoras latino-americanas, de Abya Yala, como a gente chama agora, que realmente estavam na aquela coisa de falar e responder aos discursos hegemônicos dos feminismos hegemônicos. Então por aí eu me aproximo a esse campo, a essa ferramenta de análise, que, na verdade, eu vou falar um pouquinho mais sobre isso depois. Então a opção decolonial têm os pensadores do grupo da modernidade e colonialidade que eram Robinson, Maldonado Torres Dussel, o Mignolo, o Anibal Quijano, eles todos criaram o campo de estudos decoloniais, digamos a análise decolonial desde o século 16, do princípio da colonização. E desde aquele momento existem pessoas branca-mestiças ou indígenas que estavam já questionando o tratamento que recebiam, o trato que recebiam os indígenas e as pessoas traficadas da África. Então o Anibal Quijano constitui esse conceito que é um pouco central, desde os feminismos é considerado, já que fala da colonialidade do poder, que é um fato central para o capitalismo. O capitalismo não nasceu na Europa, na acumulação das grandes metrópoles, ele nasceu na colônia. De fato, nas colônias que hoje a gente chama de América Latina, Central e do Norte. O que ele fala é que houve naquele momento a classificação do humano, e o que entra dentro da classificação do humano seria o homem e a mulher branca, mas isso não ocorreu no momento da Colonização, ocorreu várias décadas antes, na Espanha onde com a desculpa de que os indígenas ou os povos originários [inaudível]. Então a colonialidade do poder para o Aníbal Quijano, que é um teórico peruano, estabelecia o que depois disseram quem seria humano e quem não seria humano com esses debates, onde eles decidiram que os Indígenas, através do discurso da salvação cristiana, poderiam se salvar, poderiam se tornar humanos através da catequização. Aí começa uma escadinha de humanidade e que as pessoas traficadas da África, os africanos e africanas não seriam humanas, entrariam, portanto, com essa lógica, nos debates ocorridos nos anos de 1550 e 1551. Eles decidiram quem podia ser escravizado e quem não, e, neste princípio, que é o que Quijano fala sobre a colonialidade do poder, estivesse o princípio do capitalismo, a ideia de entender não só a modernidade, mas o modelo de capitalismo global, como uma coisa que realmente aconteceu nas colônias da Europa entre a Espanha e Portugal, no século 16. O lugar tinha o ouro das igrejas e pouco mais da riqueza fundacional da Europa como centro de produção de saberes e centro de produção de verdades, que vem dentro de todas as teorias feministas, nasce desse momento inaugural em que se decide quem vai mandar e quem vai ser, no caso, eliminado, entre outras tantas violências. Falando aqui de uma maneira muito caricata. A partir do conceito da colonialidade do poder, e nesse grupo de pensadores, muitos marxistas e comentadores da teoria da dependência, então a partir desse conceito da colonialidade do poder, a feminista mestiça que, de fato faleceu, hoje é muito importante para os feminismos decoloniais, a Maria Lugones. E também gostaria de homenageá-la nessa conversa nossa, porque ela realmente trouxe aspectos muito importantes e começou a amplificar a noção de colonialidade do poder para falar do sistema colonial de sexo e gênero. Maria em diálogo com Quijano, assim como [Inaudível], mostra que não só a categoria raça tenha sido fundamental para definir esse sistema que nascia senão também o gênero e o sexo. Nos seus textos, a Lugones falava sobre a não-existência de patriarcado nas sociedades indígenas, usando um trabalho da Oyèrónke Oyewúmí sobre os iorubás. Então esse é um primeiro texto dentro desse espaço mais teórico, mas tem outro texto que para mim é fundamental e que fica comigo todos os dias, e eu leio todos os dias, que é o da Anzaldúa, Borderlands/La fronteira, onde ela fala sobre a consciência mestiça e o pensamento de fronteira. Esse texto, que é de 87, também é um texto muito fundamental porque ela questiona as categorias fixas digamos do que pertence a identidade e ela, como mestra nos Estados Unidos, falava desse lugar de dor. Depois do texto da Lugones, continuando um pouco com essa genealogia fragmentada que eu estou fazendo aqui para gente ter essa conversa rápida – com certeza tem muitos mais pontos de vistas em resposta aos textos da Lugones –, a Julieta Paredes, uma feminista comunitária da Bolívia dizendo que, na verdade, o que houve com a colonização foi um entroncamento ou uma junção patriarcal não é que não houvesse patriarcado nas comunidades Indígenas. O que houve foi que com a colonização houve um aumento da opressão patriarcal para as mulheres indígenas, negras, mestiças e todas as que não eram brancas. A esse debate a [Rita] Laura Segato, da Argentina, mas que mora no Brasil, também criticando um pouco essa ideia de que não havia patriarcado antes da colonização, ela fala que existiu um patriarcado de baixa intensidade onde outros fatores também eram constituintes das relações dentro das sociedades indígenas, como pela idade, experiência, entre outros. Então por aí é um pouco os debates sobre o que é a colonialidade de gênero, o que é o pensamento de fronteira, é um pouco o que constitui o que a gente entende como feminismos decoloniais. Um pouco, porque agora eu gostaria de ampliar, porque lendo um pouco para essa conversa eu encontrei com o termo da Lélia Gonzalez, “amefricanidade”, que é de 88, eu acho, onde a Lélia Gonzales no Brasil é fundadora. Porque a ideia minha foi rever várias leituras que aprofundou com a gente a luta decolonial, e eu não vejo falar sobre isso. Então o conceito da Lélia em 88, no Brasil, desconectado dessas escolas e dessas teorias já estava tendo uma leitura crítica da colonialidade e, de fato, da colonialidade de gênero, porque ela falava da situação da mulher negra. A Beatriz Nascimento também quando fala que a História é contada por mãos brancas, pessoas trazidas pela diáspora africana e as pessoas indígenas locais não podiam contar essa história e ainda não sabemos essas histórias é também um posicionamento anticolonial. A teórica e filósofa Mara Viveiros [inaudível]. Eu tô falando com as tantas pra dar uma ideia assim aproximada e bem esquemática de várias posturas em relação ao que é esse feminismo decolonial. então para … por exemplo, ela fala que os feminismos pós-coloniais é um outro grupo e ela diz que o pós-colonial é um desejo, não existe pós-colonial porque a gente ainda é colônia em vários sentidos. Para ela, o anticolonial é uma luta, que eu não gostaria de entrar aqui agora, e o neocolonial é um neologismo de borda antipático, ela está aberta para o academismo da ação decolonial, mas critica teorizar sem prática, estando contra apropriação acadêmica da questão decolonial. Nessas diferentes genealogias e diferentes assentos, temos essa diferença. Para algumas pessoas a luta decolonial é uma luta epistêmica, e para muitas pessoas tem a ver com uma luta histórica, no sentido amplo. Tem muitas pessoas indígenas, muitas autoras, depois eu posso compartilhar, como não existe interseccionalidade sem falar de raça e racialidade, não se pode falar de decolonialidade sem falar de território. A ação colonial iniciou com o território, não no sentido só da terra, água, daqueles que habitam, e, sim, no sentido da espiritualidade, da cultura, vários outros mais. Então, por exemplo, a feminista guatemalteca Lorena Cabnal fala do corpo como um território, o corpo dela como um território, que serve também para pensar outras dimensões sobre o que é pertencimento, o que é pertencer a um território específico. E isso é um pouco para mim um resumo de algumas visões sobre o feminismo decolonial com quem eu tive o prazer de poder conversar e escutar.
>>FELIPE FERNANDES: Caroline, agora falando um pouco da sua pesquisa, que não se trata aqui do seu texto na REF [Revista Estudos Feministas], como foi seu encontro com as lésbicas latino-americanas? Você tem alguma narrativa ou história para nos contar?
>>CAROLINE BETEMPS: não é parte do meu trabalho, mas muitas das autoras com quem eu trabalho estão autodeclaradamente lésbicas, falando enquanto lésbicas feministas na América Latina ou em outros encontros da dissidência sexual e de gênero. A questão da análise de gênero, do feminismo ou da diferença patriarcal está muito marcada. Os feminismos devem muito às lésbicas nesse sentido. E os feminismos decoloniais não são diferentes. Por exemplo, os encontros lésbico-feministas na América Latina, que eu não estive, mas eu li muito sobre eles, que trazem essa questão fundamental, principalmente autoras como Ochy Curiel que traz a discussão sobre a Nação Heterossexual, e a Yuderkys Spinosa, que querem produzir desde os feminismos outros que não sejam academicistas e não repitam a colonialidade. As autoras que eu mencionei são abertamente lésbicas e incluem a diversidade, que é uma palavra que prefiro não usar, mas a dissidência sexo-gênero está em seus vários textos, que é indissociável se for pensar a teoria crítica feminista e anticolonial, sem pensar, sem ler os textos das pensadoras lésbicas. Pensadoras lésbicas urbanas, campesinas, brancas, negras, realmente são muito ricos os aportes. Eu não tenho esse viés da dissidência sexo-gênero, mas [inaudível].
>>FELIPE FERNANDES: Caroline, eu gostaria que você falasse um pouquinho mais sobre qual o lugar da América Latina nos feminismos transnacionais hoje?
>>CAROLINE BETEMPS: interessante sua pergunta, porque justamente estou fazendo uns trabalhos sobre feminismos transnacionais, o COVID-19, onde houve uma volta ao Estado-Nação e ao mesmo tempo uma questão global que afetou e está afetando a produção de conhecimento feminista. Eu estudo numa universidade na Suécia, e estou morando na Espanha, isso eu não citei. E é bem diferente um mundo do outro. [inaudível]. Os feminismos latino-americanos ou de Abya Yala são bastante importantes, pelo menos Europa Central. Tem diferentes escolas, na França não sei, mas na Alemanha, Espanha, Portugal, têm vínculos diretos e traduções. Está acontecendo uma coisa bem interessante que é na luta antirracista dos últimos 10 anos, da qual eu faço parte como militante, eles estão lendo muito mais as autoras latino-americanas. Lendo e trazendo conceitos para a luta antirracista daqui através de pessoas migrantes racializadas ou não, como eu, residindo na Europa e tentando construir outras formas de narrativas e experiências. E falando de coisas não faladas. Na Espanha, existe, realmente, ou existiu, um passado colonial. Toda a cidade de Barcelona é Colombo apontando para a América. Então essas coisas têm sido bastante interessantes porque, realmente, dá num montão de outros fatores, nos feminismos hegemônicos. Porém nem sempre conversam fácil, porque nem sempre é fácil aceitar outros pontos de vista onde a branquitude ou a hegemonia eurocêntrica não está no centro. Então eu acho que os feminismos latino-americanos, pelo menos no contexto da Europa, que eu estou agora, são bastante importantes. Já no extremo norte, onde eu trabalho, é bem diferente. Existem professoras que migraram para lá na época das ditaduras militares, e elas estão lá escrevendo [inaudível]. O que eu gostaria de colaborar um pouco é com a diferença do Brasil com o resto da América Latina, porque no Brasil a relação colonial com Portugal é diferente do resto da América Ibérica, no sentido de que existem muitos mais trânsitos, [inaudível]. As feministas do Brasil, e, por isso, eu quis trazer as feministas negras hoje, [inaudível] elas são menos lidas, e elas estão escondidas por essa coisa que tem o Brasil com relação à América Latina. [Inaudível]. Por exemplo, a Suely Rolnik [inaudível]. Existem vários usos do decolonial, e, de repente, as pessoas estão começando a conversar sobre o decolonial num marco pós estruturalista, de ênfase na linguagem, sem contar com a raça ou racialidade. Tem muitas coisas acontecendo. Há influências, mas o que não há, o que a Angela Davis disse naquele ano na Bahia, em 2018, que não há o mesmo poder de difusão [ou interação] do conteúdo. [Inaudível]. Então eu acho que por aí que as pesquisas e os trabalhos – e os ativismos, porque a gente não está só na Academia, a gente está na rua também tentando fazer coisas – tem que partir dessa ideia, e não centralizar os termos, de descentralizar os sujeitos de fala hegemônica. [Inaudível]. Sabemos também do meu lugar de branca. A gente precisa não só construir outras fontes que não sejam depoimentos absorvidos da Academia do Norte Global, mas que questionem as formas de fazer, as metodologias de trabalhos, e as epistemologias – como a gente conhece as coisas. Isso são coisas muito caras que eu aprendi na Bahia, e com feministas negras dali que falavam sobre as negociações dentro da Academia entre nossas próprias vivências-teorizações, muita gente não separa vivência de teoria. [Inaudível]. Desse jeito, a luta anticolonial nunca vai terminar, porque a gente vai estar sempre aí tentando descolonizar. Nesse sentido, a luta anticolonial é um projeto que não termina enquanto houver mundo. E onde eu habito, por exemplo, a Europa, as grandes capitais que vivem da opressão e da dependência, haverá sempre uma razão para lutar contra essa colonialidade. [Inaudível]. Então o que pensadoras e ativistas latino-americanas pensam tem muito o que considerar para a Europa.
>>FELIPE FERNANDES: Então, Caroline, eu gostaria muito de te agradecer, em nome do Bacharelado, a tua contribuição na formação. Você pode ter certeza de que vai ser uma contribuição enorme na formação de muitas jovens feministas, futuras acadêmicas dos Estudos de Gênero. E já peço de antemão, publicamente, porque isso aqui vai ficar lá no Moodle – não é público no sentido de totalmente público, porque isso vai ficar disponível para as nossas alunas do curso. Gostaríamos muito de acompanhar sua defesa, mesmo com corações ou patuás, àṣẹ. Eu sei que na Europa não aceitam muito as nossas mandingas à brasileira, mas queremos muito acompanhar a tua defesa e torcer por você. Então nos mantenha informadas/os sobre o teu futuro. Gostaria de concluir esta videoaula te passando a palavra, se você tiver alguma mensagem para essas jovens feministas que estão se formando conosco durante a pandemia. Um grande abraço, muito obrigado, a palavra está com você.
>>CAROLINE BETEMPS: Obrigada. Não, imagina, eu amo conversar. [Inaudível]. Eu gostaria de te pedir, que se quiser dar o meu e-mail às estudantes, se elas tiverem dúvidas ou quiserem conversar mais ou perguntar. Tinha aqui um montão de coisas para conversar, você pode dar meu e-mail. [Inaudível].
>>FELIPE FERNANDES: Então muito obrigado, Caroline. Depois eu te mantenho informada com os feedbacks de tua aula.
Aula 04: Deficiências e Lesbianidades (Raíssa Lé)
[Abertura do vídeo com música em francês de Ariane Moffat – Debout]
>>FELIPE FERNANDES: Estamos de volta para mais uma aula do nosso componente “Teorias Feministas e Lesbianidades”. É uma honra termos conosco hoje a pesquisadora doutora Anahi Guedes de Mello, que vai abordar um pouco sobre deficiências e lesbianidades. Lembro a todas e todos que os textos sugeridos por Anahí estão disponíveis no Moodle. Oi, Anahí!
>> ANAHI GUEDES DE MELO: Oi, oi!
>> FELIPE FERNANDES: Muito obrigado por participar conosco. Eu gostaria que você começasse falando um pouco sobre como compreender a deficiência no mundo de hoje.
>> ANAHI GUEDES DE MELLO: Eu acho que a gente tem que pensar o debate da deficiência a partir de duas concepções, duas maneiras de enxergar ela. Uma é aquilo que você em outros momentos já ouviu falar que é a compreensão da deficiência numa perspectiva médica, que a gente chama “modelo médico da deficiência”. E o outro é a perspectiva social da deficiência que é o “modelo social da deficiência”, então pra resumir o que que é isso: o modelo médico da deficiência é pensar numa perspectiva individualista, como se dissesse a deficiência tá no indivíduo. Ela é compreendida num contexto do indivíduo, no contexto que é ele que tem que, por exemplo, entre aspas “curar a deficiência”, ser reabilitado, curado, qualquer coisa para corrigir a deficiência. E o modelo social vai deslocar a responsabilidade da deficiência, que no modelo médico fica no indivíduo. Tira a responsabilidade do indivíduo e desloca para a sociedade, para a estrutura social. Como se essa não é um fardo ser uma pessoa com deficiência, ter uma deficiência, que peça participação dela em várias instâncias, mas o fato da sociedade não prover acessibilidade, não eliminar as barreiras que poderiam garantir a nossa participação, então a deficiência tem pressa do contexto, do espaço, quão acessível o espaço é. Então assim, meio que tem uma pluralidade de debate do modelo médico e o modelo social, o fim? das cotas. Eu falo aquilo que a teoria social da deficiência ensina, mas assim, claro que cada modelo tem suas limitações, questionamentos. O modelo médico, a gente sabe, acho que a questão do modelo médico é exatamente… percebo que o movimento de lésbicas, gays, travestis, transexuais, que pessoas falam que é a luta pela despatologização dos corpos. A gente faz assim também, nosso movimento, que é não patologizar a sexualidade. Sexualidade se localiza no contexto dos corpos, então os movimentos de pessoas com deficiência e movimento LGBT é bem parecido, a luta pela despatologização das nossas especificidades. É isso, aquilo que a gente luta é um próprio enfrentamento da perspectiva médica, o modelo social. O que não são todos que exploram o fato de… como posso dizer, tira a responsabilidade da deficiência do indivíduo, deslocando para um contexto em que a estrutura social… a crítica feminista vai dizer que estão esquecendo que parte do corpo, porque esquece corpo, como se um corpo da não existência porque por mais que a ciência tenha tirada responsabilidade para a estrutura social a ciência não pode esquecer da materialidade do corpo. Então assim, a crítica feminista vai dizer: “peraí, tem alguma coisa errada”, o corpo tem história, não pode dar um caráter a-histórico do corpo. Então, ela precisa se falar da experiência, como é que é ter um corpo com deficiência, um corpo que tem alguma deficiência não adianta parar ele, a materialidade dele. E, por isso eu acho que conhecer o modelo social, ele cumpriu um papel de levar as pessoas com deficiência ao Estado, direitos humanos, embora, ele tem algumas limitações porque acaba ficando essa coisa do binário, do binarismo. E acaba reforçando o binário: o modelo médico e o modelo social. E o modelo social, na verdade, ele não dá conta de explicar, por exemplo, eu sou uma pessoa surda mas pode ter outra pessoa surda como eu que apesar de ter a mesma deficiência, as vezes responde de maneira diferente às situações de acessibilidade. As pessoas surdas podem ter preferências diferentes, necessidades diferentes, responde de maneiras diferentes às situações oriundas da deficiência. Isso, pra mim, diz muito sobre o fato de as barreiras não dão conta de explicar uma questão que é: compreender a deficiência apenas em termos de barreiras não diz nada porque pessoas com uma mesma deficiência tem preferências diferentes, necessidades diferentes, respondem de maneira diferente, então o que isso significa? Significa que a importância de levar em consideração o debate das dimensões dos recortes, o recorte de gênero, o recorte de raça, o recorte de sexualidade ou deficiência. O fato de não dar para analisar a deficiência sozinha, a pessoa com deficiência não é apenas ela mesma só a deficiência, ela tá articulada, ela tá numa dimensão que é preciso ela tá articulada com outros marcadores da diferença que é gênero, raça ou classe. E isso vai explicar porquê pessoas com uma mesma deficiência respondem de maneiras diferentes.
>> FELIPE FERNANDES: E Anahi, como a deficiência se articula com o marcador da sexualidade?
>> ANAHI GUEDES DE MELLO: Então… eu comentei no comecinho que tem que ter essa articulação em comum. Eu acho que, por exemplo, vamos pensar numa perspectiva feminista, uma é, o que os dois campos fazem, a luta pela despatologização da sexualidade. Essa é uma pauta que imbrica com o debate da deficiência com a sexualidade. Outra coisa é, principalmente, o que o movimento LGBT faz historicamente, por muito tempo nós também fizemos isso que é a luta pelo direito a exercer a sexualidade, o direito ao casamento, o direito a constituir família, o direito a adotar filhos/filhas, são pautas que o movimento LGBT também tem. Mas no nosso caso, tem o legado que a sociedade nos concebe como cidadão de menor valor, como se nós não fôssemos capazes de gerir os atos da vida civil. Como se não fosse capaz para casamento, para a sexualidade precisasse da autorização do Estado, do pai, da mãe, como se a nossa sexualidade fosse tutelada, que é o que acontece com outras populações. Tanto é assim que no Código Civil tá escrito lá “são considerados capazes para o ato da vida civil” as pessoas com deficiência, as pessoas indígenas também. Então assim, tem coisas que são articuladas com o caso das pessoas com deficiência que envolvem a estrutura capacitista mesmo. No caso da pessoa… LGBT, e a homofobia, a LGBTfobia. Não aceita a possibilidade de existir outras formas de relações familiares, outras formas de sexualidade, e, também, a pessoa não consegue conceber, principalmente a pessoa com deficiência intelectual, que a pessoa pode ter autonomia para fazer escolhas. Esse pensamento que a sociedade tem de pensar esse como…. isso que acabei de falar, como se esse não possuísse autonomia para fazer escolhas, autonomia principalmente para escolha para o corpo, para o nosso próprio corpo, o que nós queremos fazer com o nosso corpo. O nosso corpo tem que ser tutelado, por pais e mães, como é que… como se dissesse assim: “a gente não tem contato com a sociedade que é maldosa”, “a sociedade não sabe lidar com nós”, uma concepção que liga a imagem da deficiência a uma fantasia solitária, a fantasia da caridade. Então assim, eu poderia dizer que é muito complicado, que é uma colisão com outros movimentos, por exemplo, movimento da luta antimanicomial, o movimento LGBT também, algumas partes deles não querem linkar, associar a deficiência, porque a deficiência lembra aquilo que eles querem se afastar porque tendem a pensar que a deficiência é patologia. Então os movimentos não querem associar a qualquer coisa que patologize, que lembre uma patologia para quem não conhece o debate do campo da deficiência. Tem um artigo de uma professora que chama Ana Maria Pereira [?] que ela vai mostrar como os movimentos e projetos progressistas renegam a deficiência por causa da própria definição de deficiência que pode parecer capacitista. Então assim, eu acho que depois eu posso sugerir material para ler que a autora vai mostrar como as lutas feministas, antirracistas, anti-LGBTfóbicas estão conectadas também com as lutas anti-capacitistas.
>>FELIPE FERNANDES: Anahi, e especificamente sobre as lesbianidades você escreveu um texto que as alunas vão ler. Pode nos falar um pouco dele?
>> ANAHI GUEDES MELLO: Tá… então assim, é extenso, tem o memorial e tem… na verdade esse livro aqui ele foi pensado para convidar as autoras mulheres que trabalham com várias áreas. Não necessariamente de sexualidade, mas para divulgar o trabalho dessas autoras principalmente mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais também. Então vocês podem ver que não foco muito na lesbianidade mas falo das minhas especificidades, mas cada texto é precedido de um memorial. Então tem partes de outros textos que se referiam para você porque essas autoras, algumas autoras, vão falar da lesbianidade, então assim, eu escrevi esse texto eu tive que adaptar, porque ele foi escrito pra minha tese e eu tive que adaptar pro contexto, da proposta desse livro. Me incomodava muito porque no Brasil eu quase não vejo publicações que articulem deficiência com lesbianidade e, também, homossexualidade, quase não tem, muito pouco. As poucas publicações que citam lésbicas, para além do contexto nacional, brasileiro, falam mais de surdos gays… Não tem, é muito pouco os que falam de surdas lésbicas. E mesmo assim, as publicações sempre apontam para a falta, aquilo que vai pedir ajuda, aquilo que não tem, que possa atrapalhar. Eu me incomodei muito com a tese de uma outra autora falando que… como se dissesse que é impossível uma surda lésbica se relacionar com uma ouvinte que é lésbica. Então eu acho que precisava descontruir isso, mas, ao mesmo tempo, me incomodava muito essa questão da surdez que disseram que eu… como se dissesse que eu não me aceito como surda pelo fato de eu ser oralizada e usar o implante coclear, aí eu pensei que falar do implante coclear era uma ferramenta poderosa. Tanto que o implante coclear funciona como um brinquedo erótico para mim, faz parte do sexo. Qualquer pessoa surda implantada coclear na hora que quiser fazer amor ela prefere transar com o implante coclear para ouvir, porque ela sabe que é produto humano ouvir sacanagem, ouvir gemido. Então eu pensei que eu podia lançar mão de um argumento poderoso, se é seu habitat, se é sua especificidade, é uma questão de âmbito privado, íntimo. Pensei assim, em articular e escrever o texto mostrando as práticas sexuais de pessoas com deficiência, elas fazem parte o aparelho auditivo, o implante coclear. Eu mostrava porquê… tentar compreender como isso, o implante, é [tributário] das especificidades da pessoa, então não há por que renega-lo, dizer que não presta, que é ruim, não, porque é tributário, das especificidades da pessoa assim como ao sexualidade é. A sexualidade da pessoa também é. As formas de amar, as práticas sexuais cada um tem as suas, seus roteiros sexuais. Então pensei em articular isso para mostrar como que era minha relação, como é que eu vivencio a lesbianidade sendo surda, porque as pessoas me interpretam como surda, não me interpretam como lésbica. O fato da surdez ser o marcador que mais se coloca em evidência. Vai muito da materialidade do corpo, aquilo que parece chocar o nosso olhar, aquilo que mobiliza o nosso olhar, a materialidade daquele corpo. Percebe que aquele corpo tem alguma coisa diferente e aí eles perguntam: “o que essa pessoa tem?”. Para pessoas lésbicas e as travestis, qual é a coisa que reparam nelas? É a expressão de gênero, essas categorias acusatórias: “ah esse aí é afeminado”, “esse aí é homem”, as categorias acusatórias que imperam no movimento uma tratação… hierarquizar aqueles corpos conforme as performatividades de gênero. No meu caso, parece que isso desaparece porque o que mais se evidencia é a minha surdez, então parece que acaba como sendo um apagamento, mexeram na minha sexualidade. Então eu pensei uma coisa que pudesse falar das minhas especificidades até pra contestar mais a visão hegemônica no campo da surdez em relação ao implante coclear ao mesmo tempo que eu coloquei algumas coisas, mas não aprofundei, porque talvez fosse um assunto pra outro texto, neste falar mais na questão da lesbianidade. Porque o que me incomodou foi algumas publicações falando que seria – entre aspas – “impossibilidade” de uma pessoa surda se relacionar com alguém que seja ouvinte, e me incomodou essa questão. Era uma forma capacitista. Posso até citar outro exemplo que eu fui procurada uma vez pra conversar com uma lésbica que tinha tido a perna amputada, ela não tem uma perna, e ela é uma lésbica masculinizada. A gente percebe o campo da deficiência também tem… a gente percebe que o olhar dessas pessoas ainda tem essas acusações “ah, você é homem” pra que eles fiquem… sabe? De acusar a pessoa “você tá se comportando como homem”, que é expressão de gênero. Eu tô trazendo isso porque eu fui chamada para conversar com essa pessoa porque as mulheres não tavam assim tanto a… ela se sentia rejeitada pelo fato de não ter uma perna. A rejeição daquele corpo que não é um corpo normalizado. A gente concebe que a diferença é normal, então tem essa coisa que a gente fala da materialidade do corpo, naquilo que o nosso olhar olha pra aquele corpo, o que aquele corpo mobiliza instantaneamente em primeiro lugar e aí a pessoa com fome, o estado que ela tiver, a percepção, compreensão das coisas, ela passa… ora se aproximar, ora estranhar ou se isentar então tem esses debates também, interpelar corpos que fogem da norma.
>> FELIPE FERNANDES: Anahi, para a gente concluir essa conversa, você é um expoente no Brasil do que se convencionou chamar de “Teoria Crip”. Que teoria é essa e como podemos usá-la para pensar direitos e política?
>> ANAHI GUEDES DE MELLO: Tem que pensar pra o exemplo do que seja o Queer, eu vou dar o exemplo, a gente sabe que a teoria queer vai desconstruir o binarismo: homossexual e heterossexual. Sabe que a Butler vai desconstruir o binarismo sexo-gênero, mostrando a estabilidade que teça o gênero, o desejo. A Butler vai mostrar a estabilidade de sexo-gênero e desejo. Portanto para a “teoria aleijada” é um pouquinho mais, a gente vai tentar desconstruir essa estabilidade pressuposta entre sexo, gênero, desejo e corpo. Então assim, a teoria queer vai mostrar que na verdade o heterossexual só existe por causa do homossexual, uma questão de interdependência, o campo da teoria aleijada é a mesma coisa. A pessoa que não tem uma deficiência só vai existir em relação a outra que precisa daquilo para que possa ser nomeado. Vamos pensar, por exemplo, uma “corponormatividade”, vamos pensar um pouco de teoria queer. Perceba você tem que pensar, vamos pensar corpos gays, a gente sabe que tem uma tratação das pessoas gays que… alguns gays que diz que não tem preconceito em se relacionar com homens afeminados. Porque ele quer se conter, conter a corporalidade, a norma, que tem sido de conter o seu corpo para se ater à norma, então tem que pensar que a heterossexualidade é a norma do corpo capaz. Um corpo homossexual seria um contraponto, a norma do corpo incapaz. Para existir precisa conter o hétero, precisa conter a capacidade, só existe você pra poder conter a capacidade, esse pensar que o capaz é ser branco, hétero, boa condição financeira, homem… a gente precisa pensar isso, se chama “capacidade compulsória”. A gente tem a heterossexualidade compulsória na existência lésbica, e aí tem um termo que vai fazer um paralelo vai mostrar a capacidade compulsória e a existência queer e deficiência, existência e deficiência, mostrando que no limite é impossível conter uma capacidade física completa. Porque o corpo se deteriora a gente envelhece, começa a ouvir mal, enxergar mal, o que eu quero dizer com isso é que a própria deficiência faz parte do ciclo de vida. O envelhecimento é só um outro nome pra deficiência, mas a ciência acaba naturalizando o envelhecimento como uma coisa… como se fosse um fato natural e a deficiência como se ela não fosse um fato natural, a deficiência é uma tragédia. Não consegue conceber como ela também ela é uma construção social, faz parte do ciclo de vida das pessoas. Você tem que perceber que na teoria queer enquanto a sociedade é regida por uma heteronormatividade, a teoria aleijada o pressuposto dela é baseado no fato da sociedade ser estruturada por uma corponormatividade. Por isso que… pelo fato da teoria aleijada mostrar… como que posso dizer… tem duas formas de interpretar o capacitismo: uma como discriminação, o outro como estrutura. Então a teoria aleijada vai mostrar que, na verdade, falha de corporalidade pode ser lidas como não ininteligíveis, falhas de corporalidade pode ser lidas dessa forma posso dizer dessa forma, porque isso significa várias corporalidades então um sistema de capacidade compulsória. Corpos negros, corpos gays, corpos de lésbicos, corpos de mulheres também, as mulheres no passado eram associadas a um pênis invertido, a gente sabe. E isso foi porque associou a mulher como se ela não fosse um ser capaz. O gênero vem dessa percepção da incapacidade da mulher, então tem a ver pensar as mulheres são questionadas em relação às suas capacidades. Então eu consigo pensar a teoria aleijada como se fosse colocar vários corpos… uma pirâmide, uma caixa, o que for, a capacidade compulsória cria uma hierarquização, corpos melhores, corpos bons, mas que no topo da estrutura capacitista estão os corpos deficientes, os corpos de pessoas com deficiência. Por isso as pessoas com deficiência são… vamos dizer assim, as mais atingidas em relação à falta de oportunidade, eu acho que eu poderia pegar um pouquinho também a questão das pessoas negras, por exemplo, preconceito racial o quanto priva as pessoas negras de oportunidade de trabalho por causa da aparência, pra ter uma boa aparência tem que ser branco, é parte da estrutura racista. As pessoas negras, pessoas com deficiência tem várias questões que mobilizam a política da aparência que faz gradações de corpos que são ou não considerados capazes para várias coisas da estrutura social.
>> FELIPE FERNANDES: Anahi a nossa aula é bem curta. Deixa eu digitar desculpa, ao closed caption. Anahi, a nossa aula nossa aula é curta, tivemos um grande aprendizado com você. Muito obrigado em nome do bacharelado em Gênero e Diversidade, te agradeço. Queremos você na Bahia um dia, e me comprometo a te enviar o feedback das alunas sobre a tua aula. Muito obrigado querida Anahi, é uma honra tê-la conosco. Beijos.
>> ANAHI GUEDES MELLO: Tchau, obrigada.
[Transcrição: Raíssa Lé Vilasboas Alves (GIRA/UFBA)]
Aula 07: Direitos Humanos de Mulheres Lésbicas (Raíssa Lé e Daiane Oliveira)
[ TRANSCRIÇÃO – AULA 07 – DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES LÉSBICAS, com Salete Maria da Silva]
[Abertura do vídeo com música em francês de Ariane Moffat – Debout]
>>FELIPE FERNANDES: Olá, estamos de volta com mais uma vídeo-aula do curso teorias feministas e lesbianidade, nessa semana nós temos outra presença ilustre da professora Salete Maria da Silva, que vai abordar com a gente um assunto fundamental para o nosso curso que são os “Direitos humanos de mulheres lésbicas”. Lembrando que todos os textos que a professora Salete indicou estão aí no Moodle, gente pode acessar tem uma leitura de base e três leituras suplementares, a professora foi super generosa com vocês cedendo tantas leituras. Olá, professora. Muito obrigado pela participação.
>>SALETE MARIA DA SILVA: olá professor Felipe de minha parte é uma satisfação muito grande poder colaborar com tão importante iniciativa, que desde logo eu já antecipo os meus cumprimentos as pessoas que vão participar como docentes, como discentes, as ativistas, todas as pessoas interessadas por esta temática de sorte que eu acredito que é um ganho muito grande não só para nossa universidade mas para tantas quantas pessoas possam ter acesso a esse material. Eu lhe felicito com muito entusiasmo e tô na torcida para que seja um curso de grande êxito.
>>FELIPE FERNANDES: Professora, então o seu tema são os direitos humanos só que esse nosso curso ele é um curso introdutório principalmente para as alunas do nosso Bacharelado em Gênero e Diversidade, mas também pessoas que estão se iniciando no campo de gênero e diversidade, principalmente gestoras de políticas públicas futuras e futuras analistas de políticas públicas. Será que você poderia começar nos falando um pouco o que é o campo do direito e o que são direitos humanos?
>>SALETE MARIA DA SILVA: Sim, seguramente são duas questões que muitas vezes acarreta um bastante dificuldades. Algumas vezes as pessoas usam o termo direito como se fosse sinônimo de direitos humanos e vice-versa. Para início de conversa, eu diria que, para quem se interessa por Política pública, seja na condição de gestor ou gestora, analista, formulador, decisor e principalmente para quem está no campo do ativismo, compreender que as políticas públicas elas são um instrumento, uma ferramenta, na concretização de direitos humanos, isso é uma questão basilar. É fundamental entender que a relação entre direitos humanos e políticas públicas é uma relação umbilical, é uma relação de muita aproximação de sorte para que se possa pleitear a formulação, a implementação de políticas públicas, é necessário antes ter uma ideia, ainda que inicial do são os direitos humanos e qual o papel do Direito, enquanto o ordenamento jurídico, enquanto o conjunto de regras que disciplina a vida em sociedade nesta empreitada. Então, poderíamos começar por aí mesmo, né? Dizendo que o direito ele pode ser, ele é definido enquanto um conjunto de regras um conjunto de normas jurídicas elaboradas através do poder legislativo e implementadas né aplicadas a partir do poder judiciário, mas também duas executivos, mormente do judiciário em que se decide, mediante petições, medianas reivindicações, quem tem e quem não tem direito. Quem tem quem não tem a prerrogativas. Quem tem quem não tem a essa titularidade de reclamar pelos mais variados pactos, valores e princípios e normas que foram colocados na Constituição Federal e em outras normas. Então, o direito seria esse grande instrumento, esse conjunto de normas e toda essa “parafernalha”, né? Relacionada com o sistema de justiça que nem sempre abarca todos os direitos humanos, então os direitos humanos eles são muito mais amplos do que aqueles direitos que estão contidos nas normas. Enquanto que o ordenamento jurídico ele pode ou não ser favorável aos direitos humanos, os direitos humanos por seu lado ele tem uma trajetória mais longa e muitas vezes até se insurge contra o poder, os poderes constituídos e contra os direitos do establishment, né? Então os “direitos humanos” poderia ser definido de inúmeras maneiras, costuma-se dizer que é um conjunto de princípios, um conjunto de valores, um conjunto de demandas, né? Pode estar relacionado com pautas mínimas que os mais variados sujeitos, mais variados seres reivindicam ao longo da história e que, portanto, cumpre esse papel político e emancipatório, que cada vez mais ser alargado, ser exigido e etc. Então, eu prefiro chamar de um conjunto de exigências. Os direitos humanos são um conjunto de exigências, de pautas né e devem ser traduzidos através de declarações de leis, ou seja, de direitos direcionados a todas as pessoas pelo simples fato de serem humanas. Ao longo da história da humanidade nem todos os sujeitos, nem todos os grupos sociais foram alcançados, foram destinatários, se viram enquanto os beneficiários dessas declarações, desses princípios e desses valores, por isso que para quem atua com a política pública e para quem é ativista especialmente no campo LGBT compreender que a pauta dos direitos humanos ela pode muitas vezes ser demandada contra o próprio judiciários e também contra o parlamento, contra o executivo e etc. Então, são dois campos que dialogam de alguma forma, o campo do direito enquanto norma, enquanto instrumento, ordenamento, enquanto sistema ele dialoga diretamente com o campo dos direitos humanos, enquanto que o campo dos direitos humanos ele é muito mais ampla do que a seara jurídica, ele envolve aspectos da filosofia, da antropologia a psicologia ele é um campo interdisciplinar por excelência, então nem tudo aquilo que o jurídico entende os direitos humanos é o que nós e outras áreas é o que vocês particularmente de outras áreas entendem, então por isso é importante que é que haja uma apropriação da prática dos direitos humanos por todos os sujeitos sociais em particular por aqueles grupos constituídos por pessoas que historicamente se viram discriminadas então assim hoje em dia não é só mais um valor e um princípio, é uma exigência, faz parte da necessidade os grupos até mandarem e estarem pleiteando de maneira […] Eu chamo de exigência porque é uma forma de dizer que não é facultado ao estado acolher ou não, essa essa diferença entre um e outro revela um pouco das tensões que muitas vezes os grupos dizem “nós temos direito à vida”, grupos LGBT, negros, mulheres, etc. e o judiciário vai entender essa vida de outra forma, por exemplo o direito à vida para uma pessoa que não é LGBT tem uma conotação bastante diferente uma pessoa que é LGBT, porque não é suficiente esteja sobre a face da terra respirando, exige-se muito mais. Por exemplo, viver de maneira plena para uma pessoa LGBT é ter sua identidade e seus direitos de personalidades devidamente reconhecidos e esse direito é que está contido no ordenamento e aí e muitas vezes os direitos humanos quando eles vão para o ordenamento eles são chamados de direitos e garantias fundamentais, basicamente são essas as diferenças e aproximações entre esses dois eixos.
>>FELIPE FERNANDES: E Salete, com você acha que o papel dos operadores de direito, você é uma jurista feminista inclusive publicou muitos textos nessa área. Eu sugiro que as cursistas coloquem no seu nome no Google para conhecer não apenas o material que a Salete operadora do Direito, como se diz Salete, a advogada escreveu, mas também está é uma grande artista, uma cordelista e eu tenho certeza que vocês vão encontrar e preciosidades no Google. Mas, Salete, qual o papel dos operadores de Direito na ampliação e na garantia dos direitos um dos direitos e dos direitos humanos das pessoas LGBT.
>>SALETE MARIA DA SILVA: Bom, desde a minha perspectiva o jurídico ele tem um papel primordial, ele está sendo desafiado tá sendo interpelado o tempo inteiro pelas pelas pessoas LGBTs e também pelos grupos né devidamente organizado no sentido de garantir os direitos existentes e ampliar a interpretação, a hermenêutica do daqueles direitos que são vistos de maneira direcionada somente para pessoas heterossexuais. No campo da família, no campo da sexualidade, no campo dos direitos sociais e reprodutivos, em vários campos então o direito, os operadores jurídicos que eu prefiro dizer, eles têm que dar um passo além de apenas operar com as normas, é necessário também problematizá-la, é necessário também alargar o entendimento, é necessário agir de maneira ativa, então por isso que é preciso um protagonismo maior de quem opera seja como juiz, seja de como promotor, seja como advogado. Daí eu quero aqui tirar também mãe fazer dessa coisa de que só alguém formado em Direito pode operacionalizar com direito, já que o direito ele tem que ser um instrumental por isso que eu tenho produzido muito sobre a necessidade do empoderamento jurídico, dos sujeitos, uma sociedade aberta né como diz o filósofo alemão Peter Harley, uma sociedade aberta dos intérpretes da constituição todos nós teríamos minimamente legitimidade para interpretar a norma, obviamente alguns profissionais estão ali profissionalmente atuando nesse sentido, mas o papel do jurista do profissional do direito é tentar máxima mente se aproximar das faltas dos direitos humanos para que os direitos com os quais ele opera minha mente a gente comerciais que foi lá ideia de dignidade humana para todos e pela ideia de que todas as vidas importam, pela ideia de alargar o conceito de igualdade. De incluir aí a falta da inclusão da reparação, o princípio da não-discriminação então ao longo da história do brasil muitos profissionais do direito, mesmo sem ter tido uma formação jurídica é na graduação na pós mais transgressora ou mais, digamos assim, emancipatória por compromissos que desenvolve, com o compromisso da minha pelas pressões dos grupos sociais, começaram a perceber que era possível também utilizar esse direito historicamente serviu para oprimir grupos e excluir historicamente os LGBTs, então eu daria como exemplo para justamente atender e valorizar a sua pergunta, um juiz do Rio Grande do sul chamado Rui Portanova, eu tive a oportunidade de pelo em minha banca de avaliação de tese de dourado, ele é um dos juristas o brasil em fazer a inclusão jurídica, mesmo antes da legislação, mesmo antes do STF, mesmo antes da Constituição atual e depois dela principalmente em reconhecer pautas né é dividido de população LGBT com relação, à previdência, direitos relacionados com planos de saúde adoção união entre pares do mesmo sexo, então esse esse Rui Portanova, que hoje é desembargador no Rio Grande do Sul ele tem uma obra chamada, na verdade se chama, “Motivações ideológicas da sentença” onde ele vai justificar como que ele conseguiu numa época em que quase ninguém na justiça tinha simpatia por essas faltas como que ele fazia para desvelar que todas as empresas têm uma motivação ideológica e por que que a motivação biológica dele se aproximava da inclusão desse sujeito não só para com pessoas LGBTs, mas com outros grupos ele foi um dos primeiros a decidir que o Estado, no caso o município, era obrigado a disponibilizar fraldas geriátricas para pessoas idosas ou mesmo pessoas com incontinência urinária que eram expostas ao vexame público nas repartições, nos vários lugares ou que não tinham dinheiro para adquiri-las, então assim a exemplo de Rui Portanova, mais recentemente o STF decidiu, não tão recentemente assim, mas decidiu pela união preparo do mesmo sexo, reconhecendo esses verdadeiros casamentos e não apenas um contrato patrimonial entre duas pessoas, reconheceu também que a homofobia que nós precisamos, preferimos chamar de LGBTfobia, ou homolesbotransfovia, ela se equipara o crime de racismo, ou seja, o STF, graças a toda essa pressão e toda essa contribuição teórica que nós de vários campos da antropologia,
do direito, das ciência sociais de uma maneira geral, temos invadido as searas jurídicas levando nossos contribuições. Então assim, eu entendo que é um papel o judiciário, é um lócus de disputa de narrativas de ampliação da gramática de direito muito importante ao passo em que reconheço isso é uma atitude ainda marginal dentro do dentro do judiciário, né? LGBTfobicos, mas nós vamos estabelecendo fissuras ao longo desses mais de 30 anos da Constituição Federal. Um parêntese aqui seria para o fato de que ao tempo que eu celebro as conquistas para a população LGBT obtidas hora individualmente e em alguns processos, hora coletivamente pelas decisões do STF, eu lamento muito que tenha que ser o STF como um poder onde não há eleições né diretas para os seus os seus representantes e estejam assumindo e acolhendo essas pautas e não parlamento nacional, já que em países como a Argentina, nosso vizinho aqui, a união entre para do mesmo sexo foi debatida e aprovada, obviamente com muita atenção, mas foi feita dentro no parlamento o mesmo aconteceu com o Uruguai. Então aqui nós temos faltas, no Brasil relacionadas a direitos sexuais e reprodutivos a liberdade da expressão da sexualidade gênero dissidentes relacionado ao aborto e uma série de outras questões que interessa aos movimentos feministas negras LGBT e tal que são temas tabus dentro do nosso parlamento que alguns parlamentares enfrentam com muita ousadia com muita tenacidade, mas que muitas vezes são obrigados a recuar para a atender ao modus operandi hegemônico, se não vai perder voto, etc. E o executivo brasileiro em que pese muitas das suas contribuições também foi bastante tímido em diversos momentos apesar de nós temos um país que saiu do crime, né? Saiu de uma situação de crime de sodomia para um Brasil sem homofobia, nós tivemos vários avanços nesse sentido, mas eles são muito lentos em termos sociológicos, em temos antropológico, podem não ser lembro do ponto de vista histórico né mas olhando outras populações como movimentos de mulheres e outros grupos que conquistaram em 30 anos muito direito a partir Constituição Federal e depois dela, nós vimos que o déficit maior hoje de todos os grupos socialmente discriminados é a população LGBT e em particular as mulheres lésbicas, que sofrem dupla a discriminação por serem mulheres e por serem lésbicas, então se por um lado algumas mulheres sofrem estupros por que os homens com elas estabelecem relações de poder são crimes de poder, e portanto também crimes de ódio já que são crimes de misoginia, as lésbicas quando elas são estupradas elas sofrem e aqui a um só tempo é um time de poder contra o seu gênero, mas é também um crime contra a sua identidade é o estupro corretivo não é só porque você porque um homem se sente superior a você é porque um homem além de superior a uma lésbica ele sente que ele tem o dever de corrigi-lá, de enquadrá-la de adequá-la ao padrão é da heteronorma, o padrão heteronormativo. Então em minas gerais, Professor Felipe eu diria que os operadores do direito eles têm um papel importante e onde, quando eles agirem de maneira a para agilizar a dificultar a criar obstáculo para o acesso a justiça e acesso aos direitos para LGBTs e as lésbicas em especial eles próprios devem ser responsabilizados, a partir obviamente das declarações universais a partir avenida federal e de uma interpretação mais alargada e mais e a partir do princípio da não-discriminação e pode ser reivindicado. E também, obviamente para um direito de ser mais emancipatório é preciso que as leis dentro do parlamento também o sejam e que o executivo também abarque isso não é porque a gente vê que mesmo executivo entre as pessoas de esquerda e as que dizem que defende os direitos das mulheres lésbicas em particular, se sentem ofendidas quando são confundidas com lésbicas, a gente viu é o modo como a presidenta Dilma reagiu uma pergunta durante a primeira campanha dela quando uma jornalista a interpelou o sentido de saber se ela era lésbica e ela pediu respeito é utilizando o argumento de que era mãe e avó, né? E a gente vê como é difícil, inclusive para as mulheres lésbicas que estão espaços de poder, falar em dessa sua identidade é mais fácil muitas vezes uma mulher lésbica e negra parlamentar dizer que ela é uma mulher negra, afirmar sua condição de mulher negra, a sua condição de favelada, a sua condição de pessoa com deficiência, etc. etc. dificilmente, não é fácil e a gente sabe, mesmo saindo do armário para a sociedade em geral, tem sido difícil para muitas mulheres saírem do armário nos espaços de poder, seja no parlamento, seja no executivo, seja no legislativo, seja dentro das universidades. Tem mulheres que são sabidamente lésbicas e que nem sempre assume as pautas, por isso que eu considero, aqui eu quero abrir um parêntese para render uma homenagem, não somente a você pela iniciativa homens gays ou não, professores gays ou não, que cumprem esse papel importante de ser interlocutores primordiais das mulheres lésbicas e bissexuais dentre as quais eu me incluo, mas ao próprio professor Luiz Mott que deu uma grande contribuição, foi nosso colega, lamentavelmente nós não tivemos a oportunidade de conviver com Luiz Mott na nossa Universidade, enquanto o colega já que ele se aposentou antes da nossa chegada, mas é um cara que você, tem sido um dos que mais divulga aquela obra dele relacionada com a questão. Na época eu usava o termo da época lesbianismo, né? Mas tratando da lesbianidade, então assim justamente por essa dificuldade eu penso que ter homens gays ou não, parceiros de mulheres lésbicas trans, bissexuais, etc. é de uma valia sem tamanho.
>>FELIPE FERNANDES: Ele nos deu uma aula, Salete, só complementando os seus parentes. Ele nos deu uma aula sobre essa obra e pode debater bastante inclusive na aula essa questão de ser um homem gay falando sobre lésbicas e foi muito interessante. Eu queria retomar Salete, se possível, um pouco das especificidades dos direitos humanos de mulheres lésbicas. Você já falou um pouco sobre essa pertença a um duplo lugar como mulher como lésbica, trouxe à baila a questão do estupro corretivo como sendo uma situação, não sei se eu posso usar essa palavra, mas sem recorrente em relação a como a gente diz em relação à quando não respeita o direito, à violação, desculpa. Mas, quais são as especificidades na sua visão, na tua opinião como o jurista como uma operadora do direito, professora, feminista, quais são as especificidades das mulheres lésbicas e bissexuais no campo dos Direitos humanos?
>>SALETE MARIA DA SILVA: É muito interessante essa pergunta, Felipe porque ela oportuniza dizer a disputa do das mulheres em geral e das mulheres lésbicas trans e bissexuais, hora pautar questões gerais, na hora apresentar demandas que são comuns a todas as mulheres e hora apresentar demandas que são as suas especificidades e as suas realidades, é algo que precisa ser visibilizados cada vez mais. Porque primeiro os movimentos feministas precisaram provar a ideia de direitos humanos que a própria esquerda ao longo da história da humanidade reivindicou, porque inicialmente a esquerda não queria conta com uma ideia direitos humanos pensava-se que era uma pauta pequeno-burguesa, uma falta liberal, a esquerda no Brasil durante muitos anos resistiram em falar de cidadania, em falar de direitos humanos e assim no ponto de vista de demandas relacionadas a direitos individuais, coletivos, sociais. Hoje não, hoje o contexto em que os direitos humanos eles são a chave, eles são a porta de entrada para constranger pedagogicamente o Estado, para responsabilizar autoridades, etc., por violação de direitos ou por ou por aplicação do suficiente das normas, pelas políticas públicas que são muito deficitária os trabalhos grupos e para as mulheres lésbicas em particular. Então eu faria um parêntese antes de falar especificamente sobre algumas demandas próprias das mulheres lésbicas e bissexuais e transexuais, eu faria um parêntese para dizer na obra da Elizabeth Gellin, essa argentina que eu sugeri o texto dela “Mulheres e Direitos Humanos”, ela vai pontuar que durante muito tempo, mesmo durante as ditaduras aqui na América Latina, se entendia que violadores de direitos humanos eram as autoridades estatais, então você vai ter aí obviamente muitas pessoas sendo presas, muitas pessoas desaparecidas, muitas pessoas sendo exiladas, muitas tantas que desapareceram ou que morreram nos porões da ditadura e que o foco na denúncia das violações de direitos estavam muito relacionadas a esse binômio sociedade civil contra o Estado. Ao passo em que durante a própria ditadura, dentro das famílias e mesmo nos porões da ditadura no estado as instâncias rapazes militares ou não pessoas de gênero dissidentes, pessoas que evidenciavam uma sexualidade contra-hegemônica, o marginal, elas estavam sofrendo também o modo como a ditadura tratou lésbicas e gays nos porões é o tipo de choque o tipo de violação de direito, tipo de digamos assim, de tortura estava muito marcado, além do gênero estavam marcado também pela sexualidade e isso está evidenciado em vários trabalhos e a própria Amelinha Teles traz algumas reflexões quanto a isso no que tange a ditadura “Dani Tega”, que também misturadora que lançou um livro recentemente lá no evento “Curta o gênero”, elas não titulou de “Tempos de falar tempos de ouvir” sobre experiência de ditadura na Argentina e no Brasil, ela não foca precisamente na presença das mulheres lésbicas e gays, mas ela vai trazer pistas de como que isso acontecia relacionado a esse aspecto. Então assim, é dizer que a se para as mulheres de modo geral provar que o que acontecia dentro de casa e nas relações interpessoais são formas de violência, de violação de direitos humanos, e foi preciso mais de 30 anos para colocar na agenda pública a questão da violência doméstica, contra as mulheres, a violência intrafamiliar, etc. etc. e depois da violência no espaço público demorou tanto tempo, com relação às mulheres lésbicas isso também é muito mais difícil porque muitas vezes são outras mulheres, além dos homens, outras mulheres da própria família de nós mulheres lésbicas, bissexuais e etc. e também compartilhamos com alguns homens da heteronormatividade, desses tela heterossexista que entende-se que deveria ser o padrão, que deveria ser o modelo, aliás não só padrão, um modelo único e universal de viver as sexualidades humanas. Então assim, a ideia do estupro corretivo não é algo que acontece somente quando as lésbicas estão encarceradas, estão privados da liberdade não é só o Estado que prática esse tipo de crime. Também nas famílias tios, pais, avós, irmãos, primos, pessoas das redes de sociabilidade ou da rede familiar das mulheres lésbicas isso é levado a violência às últimas consequências né os sobre o corretivo também a morte o lesbo, o transfeminicidio, etc. então pautas específicas para citados o direito penal, do ponto de vista das liberdades, por que os direitos humanos envolve uma série de liberdades, liberdade de imprensa, liberdade de convicção religiosa, a liberdade de locomoção, a liberdade de expressão, liberdade, é um conjunto de verdades que para as mulheres de modo geral historicamente foi negado e para as mulheres lésbicas em particular. Só para ter uma ideia é só na última eleição que as mulheres trans vão ter direito a usar o nome social nas campanhas quando elas são candidatas, ou seja, o direito político das mulheres, em geral, sempre foi segregado, sempre foi limitado, quando não foi totalmente negado. Mas para mulheres trans, para dar um exemplo aqui em particular, e podem ser trans lésbicas ou não, nós vamos ter aí um direito político que estava potencialmente à disposição de todos e todas mas o direito de personalidade de ser identificada pelo eleitor pela eleitora pelo seu nome social e no futuro tem que deixar de e social para ser nome apenas é uma das demandas específicas, então os direitos de personalidade de se ver, de puder se identificar enquanto lésbica, ou bissexual ou enfim, poder falar dessas outras formas de vivenciar a sexualidade é tão importante. Nenhum heterossexual diz “muito prazer, eu sou João de tal, candidato a prefeito, heterossexual”, ele não precisa disso porque a hetero norma ela já é aceita socialmente. Além da questão do que eu acabei de falar do direito à liberdade, da livre expressão da sexualidade que é impedido de várias formas inclusive através de forma criminosa pelo estupro corretivo, além da liberdade de alargar o exercício do direito político tem questões ligadas aos direitos sexuais e reprodutivos, a maternidade das mulheres lésbicas, a adoção, o direito à adoção que embora o Brasil hoje não proíba mas há uma série de dificuldades no âmbito dos processos. Dado que coloca em cheque “será que essa família…”, durante muito tempo uma lésbica só podia adotar se ela botar as individualmente não a adoção do casal, as questões ligadas à sexualidade, os direitos sexuais, uma lésbica ou bissexual até uma ginecologista, seja é ele ou ela um profissional de saúde, sempre a pergunta “Quando foi a sua última relação com penetração” e esse “com penetração” estar vinculado com pênis. Então assim, nos direitos sexuais o campo da saúde para as mulheres lésbicas, a distribuição de barreiras sexuais da camisinha que não é algo tão comum, falta políticas públicas na maioria dos municípios da secretaria de saúde para entender e a sexualidade das mulheres lésbicas, bissexuais, transexuais e etc. não tem que seguir o mesmo padrão de casais heterossexuais. Então, maternidade, reprodução assistida, sem esquecer a questão, eu falei da violência política também, mas a questão da educação ou os programas de educação as disciplinas, as matrizes curriculares, não pensar também a educação que contemple essa mulher lésbica na sua totalidade, porque às vezes quando se fala de lésbica pensa-se somente, unicamente, a sexualidade, e uma lésbica é uma identidade para além, tem lésbicas inclusive que são assexuais. Então assim o fato de pensar para ela políticas públicas, quando se pensa unicamente a sexualidade e a reprodução, no pensar uma educação mais inclusiva em que haja o protagonismo dessas mulheres, tanto nos textos, autoras lésbicas, como as professoras, as alunas projeto de intervenção de onde as próprias lésbicas possam estar. Então esse curso cumpre muito esse papel. E aí, o mundo do trabalho em que as lésbicas demais masculinizadas, assim chamadas pejorativamente, ou não, de caminhoneiras, elas tendem a ter mais dificuldades nas entrevistas para emprego determinados lugares. Esse tipo de sujeito de direito não é visto como sujeito de direito. Muitas vezes a exclusão ela se dá de maneira sutil através de subterfúgios na parte mais subjetiva, porque você pode ter o melhor currículo, você pode ter muita experiência, mas na entrevista ou então muitas vezes analisando o seu currículo pela fotografia, é assim… do mesmo modo que acontece com pessoas racializadas do ponto de vista da negritude, ou do ponto de vista da questão afro-índio-descendente, o fato é que para as mulheres lésbicas a questão da aparência também é julgada com muita frequência. A sociedade tende a aceitar melhor e, quando aceita – isso se viu pela imprensa, pelas novelas, televisão, etc., lésbicas mais feminilizadas, lésbicas de cores… lésbicas mais brancas mais… incluídas por outros elementos, por outros padrões. Então além disso a demanda por segurança. Pensar em segurança pública sem pensar condição de mulheres lésbicas… vou abrir aqui um parênteses para falar: a própria aplicação da Lei Maria da Penha, em que pese ela prevê que no polo ativo dessa violência pode estar uma outra mulher e que, portanto, por uma via indireta reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo, entre mulheres para fins de aplicação da Lei Maria da Penha, o fato é que as palestras que a gente assiste, aquelas recomendações das secretaria, das políticas públicas, elas são muito mais focadas em mulheres heterossexuais, porque há um debate de que o autor dessa violência, necessariamente, é um homem, e os exemplos que se dá é sempre o agressor no masculino, olvidando que relacionamentos lésbicos também podem estar… a violência pode estar presente nas suas variadas formas, não só a violência física, a violência psicológica e violência patrimonial etc, etc. Porque a gente não vai essencializar ou romantizar as relações entre lésbicas imaginando que não existe esse tipo de violência. Então assim, política de segurança pública que não contemple esse grupo de mulheres, essa população, para melhor dizer, elas são falhas. E quando se fala em interseccionalidade a ênfase tem sido muito com relação a gênero e raça, classe tem aparecido com muita timidez e sexualidade então, nem se fala. Então interseccionalidade não é um conceito que a gente tem que utilizar unicamente a partir do modo como ele foi construído, ele tem que ser alargado, ele tem que ser revisto, ele tem que ser reatualizado, e ele tem que ser reivindicado com mulheres lésbicas, bissexuais, trans, etc, para os sujeitos de gênero dissidentes e sexo diversos, de uma maneira em que se pense que, muitas vezes, até mesmo quem está demandando pela aplicação do conceito de interseccionalidade na hora de pensar políticas públicas bem específicas, direcionada para determinados grupos, não percebe que muitas vezes o que vai definir se aquela figura ela é ou não interditada em determinado espaço não é necessariamente ou majoritariamente sua condição de mulher e de mulher negra e de mulher pobre. É e também sua condição de mulher lésbica. Porque a gente aqui na própria Bahia nós temos parlamentares lésbicas sabidamente lésbicas que não levantam a bandeira das mulheres lésbicas e que não colocam isso à frente das suas campanhas e das suas ações em que lésbicas sejam solidárias, porque o peso de ser lésbica para um mandato é muito forte. Se queremos falar em políticas públicas com lentes interseccionais, a interseccionalidade ela tem que deixar de ser apenas um conceito e passar a ser uma metodologia não só de análise da realidade mas, sobretudo, de implementação de ações que vai lá na ponta e que vai em todos os espaços saber quais são os sujeitos que estão excluídos pela lei… pela aplicação da Lei Maria da Penha. Quais são os sujeitos que estão sendo escolhidos pelas políticas de segurança pública e de justiça. Quais são os sujeitos que não são incluídos nas políticas de geração de emprego e renda. Agora com a pandemia, já pra finalizar essa minha fala, agora com a pandemia, veio à superfície a situação de mulheres profissionais do sexo, da situação de mulheres trans, a situação de mulheres lésbicas que ou já estavam desempregados ou estavam na informalidade, ou estavam e continuam estando desassistidas com relação a auxílio emergencial, com relação… é um bom momento para pensar Direitos Humanos das mulheres lésbicas e políticas públicas que possam concretizá-los a partir dessa vulnerabilidade que só se agiganta. A vulnerabilidade desses grupos é em períodos de guerra e de paz, em períodos de governos Democráticos e autoritários, dentro e fora das casas de seus familiares, então pensar uma política pública de casa-abrigo permanente também, para mulheres nessa situação, pensar também a ideia de uma renda mínima permanente para esses sujeitos que, por sua condição de gênero, raça etnia e inclusive sexualidade, tem difícil de acessar o mundo do trabalho e uma vez acessando, tem dificuldade de nele permanecer, então nós precisamos pensar nessa perspectiva. Então são esses os direitos humanos das mulheres lésbicas que são os direitos humanos de todos os sujeitos só que piorados, só que não visibilizados, não compreendidos a partir de suas necessidades. Eu diria, inclusive, que nós podemos trabalhar com dois movimentos, duas ações: é uma ação no sentido de reivindicar políticas públicas universais, como é o caso da educação, o caso do trabalho, da saúde, etc, políticas públicas universais para todas as pessoas, inclusive para lésbicas e continuam no “armário” em virtude de “n” fatores, inclusive da própria lesbofobia que mata, então pedir políticas universais – e pedir entre aspas, eu vou me corrigir, exigir políticas públicas já que eu to falando de direitos humanos enquanto exigibilidades, e exigir políticas públicas focais, uma coisa não exclui a outra, ações afirmativas, políticas de inclusão, política de geração de emprego, e aí entra um outro elemento que a questão cultural. A questão das políticas culturais que envolvem, por exemplo, a produção da cultura por mulheres lésbicas. Então para encerrar, eu gostaria… já que você citou a minha produção literária no cordel e é um campo que eu utilizo muito, é um tipo de literatura pouco utilizada, inclusive, pelas próprias lésbicas. Eu acho que tenho tempo para recitar duas estrofes, professor?
>>FELIPE FERNANDES: Você tem todo tempo do mundo.
>> SALETE MARIA: Então vou apenas mostrar aqui… bom, além de ter vários cordéis, esse aqui que falam de “Mulheres Fazem” para falar das lésbicas, esse que fala do romance “Maria Helena”, entre duas mulheres lésbicas rurais e agricultoras, mulheres rurais e… beatas. “Mulheres Invisíveis de Juazeiro” e “O que é ser Mulher?”, que fala um pouco sobre esse debate, eu dialogo um pouco com Simone de Beauvoir a partir de uma literatura considerada mais acessível que é o caso do cordel. Mas “Lesbicause” vai dizer o seguinte: que é uma forma de eu trazer as demandas das mulheres lésbicas para pensar como que as feministas tem que ampliar suas pautas, sendo elas lésbicas ou não.
>> LEITURA DO CORDEL:
Por causa das lesbianas
As feministas ampliam
A pauta das veteranas
Sussurram, berram e miam
Dizem “mulher com mulher”
E já não dá jacaré
Como muitos presumiam
Por causa das lesbianas
As línguas se entrelaçam
As bocas se chamam xanas
As xanas se chamam rachas
As rachas se chamam girls
Garotas chupam freegels
Free girls chupam muchachas
Por causa das lesbianas
A luta por igualdade
Impõe teses mais humanas
Requer a diversidade
Só a sociedade viva
Não hetero-normativa
Permite a felicidade.
>>SALETE MARIA DA SILVA: Então eu vou desenvolvendo todo um debate sobre a causa das lesbianas, por isso que eu chamo de “Lesbicause”, brincando aí um pouco com as palavras, usando o termo do campo da cultura LGBT e tal, mas assim, é para dizer que o campo da cultura tem que cumprir um papel importa… quantas cantoras lésbicas não tem esse país? Muitas delas auto declaradas. Quantas compositoras, quantos artistas? Algumas delas com bastante visibilidade que poderiam não só usar os instrumentos da sua atuação profissional mas fazer eco com relação ao déficite de políticas públicas destinadas a concretizar direitos das mulheres, direitos LGBT’s, principalmente direito das mulheres lésbicas, então eu chamaria a atenção para este aspecto e já deixaria aqui uma sugestão, sendo ousada, porque eu sei que essa é uma bandeira, é uma demanda, é uma questão que embora eu vivencie a minha sexualidade a partir de um lugar de uma mulher bissexual que nos últimos anos, há mais de 10 anos tem uma relação com a mesma… com uma mulher, uma relação monogâmica e fidelíssima com uma única mulher, mas o fato é que eu penso que nós precisamos incidir mais no campo da cultura e aí mais particularmente no campo de uma vivência lésbica nordestina e não “ nordestinada”, como bem dizem os poetas, para que a gente possa ter uma data de visibilidade que vá para além daquela muito importante que foi escolhida por… pela experiência no bar, lá em São Paulo, e também por conta do SENALE, do primeiro evento do primeiro seminário de lésbicas nacionais. Eu acho que a gente precisa de uma data, de uma política ou de uma de uma ação que marca de maneira bastante forte a data em que foi condenada a Felipa de Souza, como sendo a primeira mulher lésbica a sofrer, a sentir na pele o poder do Estado, que não veio, desde o Brasil colônia até os dias atuais, o Estado ele tem sido muito eficiente para penalizar os corpos das vivências e as sexualidades lésbicas, gênero dissidente, etc, mas não tem a mesma eficiência, o mesmo vigor, para a promover as políticas públicas de inclusão. Então como a Filipa de Sousa ela foi açoitada em praça pública, no caso no Pelourinho, a sentença dela foi lida dentro da Igreja da Sé. Ela foi obrigada a se vestir como vestiam heterossexuais “limpos”, para a época, ela foi exposta em praça pública. Os anais do julgamento dela, o professor Luiz Mott estudou, se encontra hoje em Portugal e o Professor Luiz fez um estudo minuciososíssimo nos dando elementos, nos dando munição, nos dando insumos, a gente… eu sei que a Felipa de Souza, ela gosa de status muito importante no movimento lésbico brasileiro, eu sei de todos as condecorações e o reconhecimento do prêmio Rita de Souza que o professor Luiz Mott, com qual ele foi agraciado. Mas eu acho que nós lésbicas e bissexuais e transexuais nordestinas, nós transgêneros, nós precisamos que a Filipa de Sousa, para não se repetir, que nunca mais mais uma lésbica seja levado a justiça por essa razão. Obviamente que hoje no Brasil isso não aconteceria, do ponto de vista do da decisão do STF, mas esse julgamento que nós passamos todos os dias, o julgamento social, cultural, essa violência simbólica, porque a heteronormatividade compulsória ela é uma violência simbólica que é para ser enfrentada, e quantos mais lésbicas sejam invisibilizadas melhor. A Felipa de Souza, ela que vai ser condenada aos 35 anos, portanto não era tão jovem para época. Aos 35 anos sendo obrigada a ser… sendo denunciada por uma de suas parceiras e essa parceira foi obrigada a denunciá-la, sob pena de receber uma… para época foi uma espécie de… aquilo que aconteceu no mensalão, ou seja, foi uma espécie de delação premiada, porque a mulher que a denunciou, que era uma das suas parceiras, era casada com um homem influente aqui de Salvador, na época. Ela teve uma pena leve comparativamente com a da Filipa, e todas as mulheres envolvidas nesse processo um total de 29 mulheres, não todas elas amantes ou parceira da Filipa. Filipa assumiu publicamente que se relacionou com seis mulheres, mas 29 mulheres foram implicadas nesse processo, então o que acontece, como também é perverso usar mulheres para delatar outras a pretexto de conferir a estas uma pena melhor, e a ela foi para além do açoite, ou seja, uma pena de violência estatal grande em praça pública, para além de ser excomungada da religião católica, para além dela ter que pagar as custas processuais, para além dos bens dela serem confiscados, terem sido confiscadas, porque ela vivia como costureira ela trabalhava na época, sendo casada naquele contexto com um pedreiro também, tudo isso veio à tona para desmoralizar também o seu companheiro e aí o mais grave: ela sofreu a pena de degredo. Nunca mais se teve notícia para onde ela foi. Então assim, para que nós baia… eu já me sinto baiana olha! Para que nós nordestinas, em particular as baianas, embora ela tenha nascido em Portugal, mas a história que ela viveu aqui a que ela viveu a sua sexualidade aqui, e ela teve a ousadia de… porque a prova ali era unicamente testemunhal, e o depoimento dela também servia como prova, e essa mulher poderia ter negado até a morte que ela não tinha relacionamentos homoafetivos, lésbicos, com outras mulheres, mas não, desde o princípio Filipa de Sousa afirmou que não só tinha esse relacionamento como tinha prazer! Ela disse que tinha prazer em se deitar com essas outras mulheres, que mandavam cartas de amor, portanto, não era apenas uma questão relacionada com a sexualidade, do ponto de vista bioquímico, mandava cartas de amor e trocava beijos, etc. Então eu penso que nós podemos, e não queria dizer devemos – mas já dizendo – tentar… valorizar essa data no sentido de dizer “olha, é uma orgulho!”, orgulho lésbico na Bahia ele data da própria colônia, ele enfrentou a inquisição, o orgulho lésbico ele a ferro e fogo ali, ele foi apresentado num contexto em que muitas mulheres, seguramente, não fariam, não teriam a mesma energia, a mesma coragem. Então assim, eu diria que nós precisamos valorizar o mais o Pelourinho como esse lócus resistência lésbica, já que é ali que ela é açoitada, e saber que nós podemos futuramente pleitear uma estátua, nós estamos num tempo de discutir estátua, o derrubamento de estátua de senhores de escravo, de racistas, etc. Se é um momento de derrubar o que não presta, é também um momento de erigir situações de resistência, situações libertárias e é um momento da gente resgatar cada vez mais, não tô dizendo que ela essa história não esteja resgatada o suficiente porque aqui mais uma vez além do Luiz Mott todas essas mulheres, existe coletivos no Rio de Janeiro, aqui na Bahia, e várias iniciativas que são nomeadas, que levam o nome da Felipa de Souza, mas a gente tem que lutar sim. Por que não? Por que não o Parlamento Municipal pensar em uma estátua que reconheça esse orgulho lésbico dessa mulher para Bahia, para o Brasil e para o mundo? Então fica aqui essa minha observação, e já pedindo desculpa por ter me estendido demais nessa participação.
>> FELIPE FERNANDES: Professora, não tem que pedir desculpa de nada, foi um presente para nós, o curso ele é… sem muitas regras! Eu acho que nós estamos aqui para aprender, para escutar, e quanto mais a gente te escuta melhor. Eu queria aproveitar esse finalzinho, essa despedida Salete, para fazer propaganda da importância do componente de Gênero e Direitos Humanos para a formação das nossas estudantes, eu acho que, para mim, pessoalmente, eu professor do campeonato da Antropologia, do Gênero e da sexualidade, eu trabalho mais com as questões de etnografia mas muito implicado com a formação dos analistas e das analistas em políticas públicas e você também, eu acompanho toda a tua participação, na primeira vinda do MEC, agora na preparação da segunda vinda do MEC, então eu gostaria de dizer, Salete, assim: que você já despedisse mandando uma mensagem mesmo para as nossas alunas do bacharelado em estudos de gênero e diversidade. E vou deixar você com a última palavra dessa aula maravilhosa, gostaria de te agradecer imensamente, eu tenho certeza que essa aula vai ser muito usada pelas nossas estudantes e eu te agradeço por que ele foi um presente para nós. Muito obrigado!
>>SALETE MARIA DA SILVA: Felipe, eu te agradeço muitíssimo porque você tem sido um colega que tem feito um movimento que eu considero que é exatamente o resultado daquilo que a gente aprende com as teorias e metodologias feministas, que é esse movimento de pensar junto, de ser propositivo, de ser proativo e ser inclusivo. As iniciativas que você abraça elas são sempre muito louváveis, seja na graduação, seja na pós-graduação, e tem uma característica em você que que eu admiro bastante em qualquer profissional, e tento implementar na minha prática diária como professora, como advogada, etc, que é a ideia, que é a postura de valorizar a contribuição, a colaboração, a participação, inclusive de colegas que nem sempre compartilham de todas as suas ideias, então quando você me fez esse convite eu de pronto aceitei e me senti bastante honrada porque essa iniciativa, ela cumpre um papel fundamental tanto do ponto de vista do ensino como da extensão, como ela possibilita a aproximação com as pesquisas, já que os textos que são sugeridos por nós fazem parte dessas pesquisas. Então eu, particularmente, me sinto muito honrada em colaborar, espero que essa iniciativa ela tenha desfechos bastante positivos, muito êxito, que seja muito bem aproveitada por todas as pessoas. Me sinto honrada, inclusive, de fazer parte de uma de uma elenco de docentes e também de discentes comprometidos e comprometidas com essas questões, e no que tange a essas questões, a interface entre gênero direitos humanos não é de hoje que eu tenho debatendo. Uma outra universidade onde trabalhei, não tive tantas oportunidades, no curso de Direito para fomentar essa disciplina é oferecida de maneira residual, optativa e tudo, mas tinha sempre muita procura, depois criamos a especialização em gênero e direitos humanos aqui da qual você também foi professor, e a ênfase nossa, nesse período todo, inclusive nesse momento, há mais de dois anos que a gente tá batalhando para reforma curricular do nosso curso, é dizer que gênero e direitos humanos não só tem que ser disciplina obrigatória como ela tem que vir antes da disciplina de políticas públicas, já que as políticas públicas são instrumentos, são ferramentas para concretizar esses direitos. E eu te digo que não é uma disciplina que tem que ser ofertado, unicamente, por quem tem formação em Direito porque a temática dos Direitos Humanos, como eu já disse, ela é uma temática que tem a porta da Antropologia, da Filosofia, da Sociologia e da Psicologia, da História, então ela tem várias entradas e é uma disciplina que pode circular sendo ministradas, obviamente que cada professor, cada docente, que vai assumir a disciplina, que porventura poderá assumir a disciplina, que pode dar um viés mais antropológico mas histórico, mais sociológico, mas eu procuro dar um viés não só jurídico, que é da minha formação mas também porque sou doutora em estudos interdisciplinares, então trago autores de variadas formações, mas eu te digo que essa batalha de dizer que independente, comigo ou sem mim, essa disciplina ela tem que ganhar mais visibilidade, ela tem que ser mais valorizada, porque para minha tristeza, a última vez que ela foi ofertada por mim, não sei se ela tá sendo ofertada agora, mas a última vez que ela foi ofertada, ela não teve nenhum escritos, nenhuma pessoa inscrita, o departamento acabou cancelando a disciplina. Mas às vezes anteriores, a primeira vez que ela foi ofertada, ela tinha 60 alunos em sala, uma imensa maioria vinda dos BI’s, BI de humanidade, BI de saúde… nossa, BI de saúde tinha muita demanda por Gênero e Direitos Humanos. Talvez porque esses profissionais e essas futuras profissionais tenham contato com os movimentos feministas, movimento de mulheres e movimento LGBT e saiba do quão violadores são esses direitos no campo da Saúde, tinha estudantes do curso de Direito, e tinha obviamente alguns estudantes do nosso bacharelado. Então eu fico muito feliz que você ofereça essa oportunidade, desse curso sobre teorias lésbicas e insira aí esse componente, para que as alunas e os alunos possam perceber o quão importante é esse debate para a constituição das políticas, então pelo menos nas três vezes em que ela foi ofertada, batalhei bastante para ela ser inserida como uma disciplina optativa, ela não existia antes no curso, reinvindiquei no curso, lecionei três semestre consecutivos como optativa, havia bastante presença de estudantes, nem todos os estudantes do nosso bacharelado, sendo ela obrigatório, todo mundo vai ter que cursar. Havia muita gente que discutiia a violação dos direitos humanos no sistema carcerário e não passou por gênero Direitos Humanos, discutia a violação de direitos humanos em outros setores e não passou então, talvez, por não compreender a dimensão e a importância dessa disciplina para entender a política, mas eu penso que esse curso também vai dar essa contribuição. Por outro lado, também, eu fiquei muito feliz de saber que eu tive notícia por terceiros, pela internet, e saber que um evento relacionado aos 10 anos do nosso bacharelado, a temática era Direitos Humanos, justamente isso, poxa isso pode ter sido alguma… a nossa peleja, a nossa reivindicação pode ter tido algum impacto na proposição das estudantes na hora que pensaram essa temática, não sei, porque eu não tive não tive informação mais precisa. Eu já estava afastada para pós doc, não estava fora do Brasil, estava por aqui e poderia ter dito lá isso que eu estou dizendo agora nessa live. Esse testemunho essa alegria de ver você valorizando esse componente e de ver também que é uma demanda cada vez mais crescente. Então eu espero que seja útil. Sei que esse curso ele é de altíssimo nível, de alta qualidade, professoras de várias partes do Brasil, ativistas e tudo mais. E sim eu soube que o professor Luiz Mott aí, eu acho que você com isso também rende uma homenagem a ele, porque falta nossa universidade, falta a meu sentir, falta a FFCH reconhecer que nós tivemos o mais brilhante… dentre os pioneiros, e vivo ainda, ativistas e pesquisador desse campo. As pesquisas de Luiz sobre a Santa Inquisição ela é fundamental para entender, assim, a questão de uma recorrência na violação de direitos. Eu falo muito: do crime de sodomia ao Brasil Sem Homofobia, o Luiz Mott passa por tudo isso. Então eu super te parabenizo, eu acho que isso precisa ficar nos anais do nosso bacharelado, esse curso, e dizer também para finalizar, agora já prometendo e cumprindo, que um curso sobre essas teorias feministas vivências lésbicas, teorias lésbicas na América Latina, você oportunizando que as alunas do bacharelado possam ter acesso a uma temática que foi feita com tanto esmero, com tanto zelo e com tanta dedicação, naquele curso de extensão que você ofereceu tive oportunidade de participar de uma das mesas, você ofereceu aí em parceria com o ativismo em parceria com vários e várias estudiosas e pessoas interessadas nessa questão. Eu, particularmente, tenho é vontade de ser aluna de uma futura edição do Pensamento Lésbico [curso] que você ofereceu. Então aproveito aqui para mandar um abraço para você e para toda a equipe daquele projeto, e agora para você nesse projeto novo que você tá apresentando aí para nossas alunas e alunos do… e pode ter certeza que se fizerem muito bom proveito desse curso, vai ter desdobramentos positivos lá nas nossas disciplinas. Seguramente nós vamos encontrar alunas e alunos que futuramente vão cursar, ou que já cursaram, Gênero e Políticas Públicas, quando chegarem num estágio vão estar muito mais hábeis, mais aptas a pensar essa realidade. Independente de irem ou não fazer um projeto de intervenção ou monografia sobre essa temática mas todo mundo que vai pensar, no final, seguramente vai ser bom proveito vai aprender muito com esse curso, então te agradeço pela oportunidade. Mando aqui um forte abraço para as alunas e os alunos do nosso bacharelado dizendo que eu estou com saudades e desejando a todos e todas estejam bem, que possam estar enfrentando essa pandemia, porque se discutir Direitos Humanos é algo que deve ser feito em todos os momentos e situações como estas em que as nossas demandas, elas se tornam cada vez mais necessárias já que é justamente na pandemia, nas crises em geral, sejam elas sanitárias, políticas, econômicas, etc., que fica mais evidenciado quem são os sujeitos mais prejudicados, quem são os grupos mais vulnerabilizados e que precisam de uma maior atenção do Estado. Fica evidenciado quem são aqueles sujeitos cujos direitos humanos são preteridos ou são os últimos a serem implementados. Muito obrigada, professor, um forte abraço, sucesso neste curso que já nasce bastante potente.
>> FELIPE FERNANDES: Muito obrigado professora, nos vemos em breve.
[Transcrição: Daiane Oliveira e Raíssa Lé]